Estavámos no início do ano de 1995. Eu tinha sido convidado, através do Raul Melo e do Rui Rodrigues com quem tinha trabalhado no projecto Olivais Vivo, para trabalhar no projecto PATO (Prevenção ao Alcoolismo, Tabaco e Outras Dependências) que iria desenvolver as suas actividades com a pequena comunidade da Escola do Bairro da Boavista. O projecto tinha algumas características que me atraíram desde o princípio (fazendo-me esquecer a minha aversão à sua designação). Trabalhávamos a relação, envolvendo professores e alunos e apenas com aqueles que assim quisessem. Independentemente de actividades que integravam toda a escola, tinhamos um conjunto de temas que começávamos a trabalhar com o primeiro ano e depois íamos integrando o segundo ano e o primeiro ano até que ao quarto ano do projecto estaríamos a trabalhar com todos os anos. Os temas e propostas de exploração tinham a ver com a auto-estima, o grupo, o bairro, entre outros. Estávamos em Fevereiro e por coincidência na semana a seguir a ter começado a trabalhar eu tive que ir a Gijon, à Féten, uma feira de teatro para crianças, fazer uma comunicação com o Carlos Fragateiro. Prometi-lhes por isso que ía filmar a viagem e que depois veríamos em conjunto o filme. E assim foi. Um nevão nos Picos da Europa tornou a viagem, cinematograficamente, bem mais interessante. Depois, muitos dos participantes da Féten, alguns que já conhecia de encontros de expressão dramática em Portugal, fizeram questão de referir as crianças do Bairro da Boavista. Sem saber tinha um tesouro nas mãos. Quando acabámos de ver o filme eles ficaram emocionados. Era o nome do bairro deles que andava pelas bocas daquelas pessoas que falavam linguas diferentes das deles. Eu tinha filmado também alguns espectáculos e conversado com os artistas e todos eles simpaticamente saudavam as crianças do Bairro da Boavista. E não demorou muito a sugestão: vamos fazer um video sobre o bairro para lhes enviar. Este projecto integrou também algumas elementos dos mais crescidos, que já estavam na terceira e na quarta classe. Um deles, estava mesmo em vias de abandonar a escola e já começara a ir com o tio, bate chapa. Tornou-se o camera e assim lá o aguentámos durante todo o ano escolar de 95. Filmámos o bairro. Entrevistámos o farmacêutico, o Dr. Melo, pai do actor António Melo. Falámos com o sapateiro, um comunista ortodoxo que tinha histórias da clandestinidade. Com o Chefe da Esquadra, num ambiente de grande tensão. Já falei disso aqui. Muitos deles tinham a esquadra como um lugar onde alguns dos seus familiares já tinham sido apanhados e, segundo eles, sem grande meiguice. A conversa começou por isso com algumas acusações e só melhorou quando eles se viraram para as flores que aquele chefe de esquadra cuidadosamente zelava. Era estranho para eles. Havia cães-polícias mas flores-polícias desconheciam. Fomos também falar com o Mestre Filipe que tinha o seu Atelier de Marionetas no bairro. Chamámos ao vídeo a emissão da Televisão Independente da Boavista e ela andou por aí, tendo sido mostrada no CCB e em Metz. [continua]
terça-feira, abril 03, 2007
Diário de um Animador
A Televisão Independente da Boavista
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3 comentários:
muito giro. é bom ouvir/ler contar histórias de processos vividos na relação e no projecto que se foi construindo...fez-me também perceber melhor a importância do diário do/a animador/a, como ferramenta de registo do processo que permita depois a síntense e a reflexão. Abraços.
Comovente, este relato. Fico à espera da continuação.
muito interessante a experiência de campo, adorava ler o resto.
Maria João F.
mulheresforadehoras
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