terça-feira, maio 22, 2007

A importância das pequenas coisas

A situação do professor de Inglês que foi alvo de um processo disciplinar por dizer uma piada a um colega sobre o primeiro-ministro, é tão excêntrica que, na minha memória, só consigo arranjar um paralelo com uma outra história passada comigo há muitos anos, estaríamos entre 68 e 70. Américo Tomás tinha ido levar as ossadas do D. Pedro V ao Brasil. Numa noite, ao jantar, os meus pais contaram uma das muitas anedotas que circulavam na altura, a de que os brasileiros tinham olhado para o Tomás e para o D. Pedro V e tinham hesitado sem saber qual das ossadas era para ficar. A história era assim, sem mais. No dia seguinte, estava em casa do Cachucho, lembro-me que era em casa dele porque era o único dos meus amigos que comia papa maizena com cacau, e a televisão transmitia as cerimónias oficiais da entrega das ossadas de D. Pedro V. . Contei a anedota que tinha ouvido na noite anterior.
Nessa mesma noite, estavámos todos sentados na sala de jantar, já tinhamos comido a sopa, por hábito não se conversava antes de se comer a sopa e esta não era servida sem o obrigado senhor por nos dares de comer, dai-me o céu quando eu morrer, a minha mãe diz:
- Quim Paulo.
O meu nome dito assim não oferecia qualquer dúvida da gravidade do caso. Olhei para o meu pai, para o seu rosto austero mas que tantas vezes, nestes momentos, completava a rigidez da minha mãe com uns olhos que se desfaziam em mel, e vi como ele assentiu com a cabeça, retocando a pincelada de severidade impressa neste jantar familiar.
- Quim Paulo, o que tu ouves cá em casa não é para andares a contar na rua.
Não precisei de mais explicações. Baixei os olhos e fiquei muito tenso, com uma vontade imensa de chorar. Eu imaginava o pior, que o que eu tinha feito podia afectar de alguma forma a tranquilidade da minha família e que eu seria o culpado. Entretanto quase quarenta anos passaram, surge esta história. O que será de lamentar é que esta situação não leve à demissão da directora do serviço que tomou a iniciativa de abrir um processo disciplinar ao professor de Inglês que contou uma anedota àcerca de Sócrates. Ela é que insultou o Governo que dirige a Administração Pública, na figura do primeiro-ministro e de todos os seus ministros, secretários de estado, assessores, bem como de todos os seus funcionários, incluindo secretárias, telefonistas, porteiros, ela é que insultou a Administração Pública, ela é que insultou o Povo, ela é que insultou a República. Qualquer segundo a mais que ela passe à frente do serviço que de forma tão vil desonrou é tempo a manchar a acção política do senhor primeiro ministro e a senhora ministra da educação. O que distingue a alta da baixa política é a forma como a primeira atribui uma grande importância àquelas que só aparentemente são pequenas coisas.

6 comentários:

Eduardo Graça disse...

Cuidado Joaquim, não sabes o que sa passou, na verdade não sabemos o que se passou, a experiência sofrida aconselha prudência a julgar o que se não conhece por dentro, não sabemos nada do que se passou, só sabemos o que querem que saibamos, um e outro lado, não julguemos ninguém, a triste figura de um homem a julgar outro homem ... um dia mais tarde conto o que é uma perseguição politica e pessoal a sério, tu sabes do que falo ... as perseguições políticas e pessoasis a sério têm um longo período de nojo até que se revelem em toda a sua crueldade, não saem no dia seguinte nos almanaques ...um abraço

sweety disse...

vinha a correr, dizer que faço minhas as tuas palavras e depois dou com este comentário e fico estática.
este "cuidado joaquim" e tudo o resto, ainda é mais assustador! parece que estamos a regressar ao passado! é que eu sou três anitos mais velha que tu, joaquim, e naquela altura, fazia diferença! e lembro-me muito bem desses avisos! porque sempre se falou e conversou e se fez muito lá por casa! o meu pai sempre foi um acérrimo militante socialista. houve uma altura que esteve nos e.u.a. por precaução. enfim, este clima de medo que denota o comentário do eduardo graça é deveras alarmante, principalmente por ele conhecer bem "perseguições políticas". mas eu de política não percebo, nem quero perceber. agora foi boa, não foi?!

sweety disse...

ah! e já tinha escrito a minha posta hoje, e demonstrado a minha indignação, antes de vir cá! mas nós estamos sempre em sintonia! isto é que é, han! até somos quase, quase do mesmo signo. podemos dizer que somos quase quase.... almas geméas! mas pronto não se pode ser nem ter tudo!
bejinhos

JPN disse...

abraço, Eduardo.

JPN disse...

um abraço, sweety. não me assustou o cuidado Joaquim, do Eduardo. até porque ele sabe que quando fala da experiência vivida, estou em sintonia com ele. era mais o apelo de um amigo, que por me ter apreço não gostaria de me ver precipitar-me num juízo feito na espuma das notícias, do que qualquer sintoma de um clima de medo. neste caso concreto não partilho a prudência (ou melhor, acho que sei o suficiente para pensar que foi um excesso lamentável), mas não me assustou.:)

Rui Mota disse...

Cuidado Joaquim...quem se mete com o PS, leva!