quarta-feira, maio 09, 2007

matéria esfumaçante

quando deixei de fumar, há quatro anos, não me tornei num antitabágico. eu tinha passado os últimos trinta anos a contaminar os ares, os ambientes, que não era capaz de passar agora a ser um férreo defensor dos espaços limpos de fumo. se achava que o ar estava poluído com um elevado teor de matéria esfumaçante, tentava delicadamente ir para ambientes mais limpos. creio até que foi essa minha não crispação com o tabaco que ajudou a que esta separação de trinta anos de fumo fosse uma experiência tão pouco sofrida e tão gratificante. parece-me aliás que há uma grande dose de hipocrisia na forma como a sociedade se desvinculou subitamente da sua responsabilidade na construção social do hábito de fumar. a produção de tabaco foi uma actividade economicamente importante em que o Estado esteve envolvido. a própria plantação de tabaco teve a sua importância do ponto de vista das políticas coloniais. creio que tem havido nesse aspecto alguma correcção da atitude pública, com uma maior preocupação em ajudar as pessoas a deixarem de fumar. a dependência tabágica é uma doença.
mas também não me tornei um anti movimento antitabagista. a minha experiência de não fumador deu-me para perceber os horrores a que durante anos os não fumadores foram sujeitos pelos nossos hábitos esfumaçantes. como diz a f., só por amizade, só por uma profunda amizade diante do sofrimento da privação, um não fumador partilhou espaços fechados, pouco ventilados, com uma elevada concentração de fumo. as nossas crianças foram educadas num espaço totalitário desenhado à medida dos fumadores. é tempo de dizer não. os fumadores têm de fazer um esforço, um esforço simétrico ao que os não fumadores faziam, e ainda por cima têm o privilégio de o fazerem por uma boa causa. ao mesmo tempo fumadores e não fumadores, a sociedade, tem de ser muito clara na intervenção pública para ajudar os fumadores. a violência antitabágica pode ser muito compreensível do plano dos não fumadores, as vítimas, mas não é tolerável e é contraproducente, e até pouco ético, do ponto de vista de um Estado que lucrou com o negócio.
é tão simples, ou tão complexo, como isto.

2 comentários:

Anónimo disse...

:-)maria joão

Mónica (em Campanhã) disse...

solidária. já deixei há 14 anos... na altura foi por dinheiro, depois mantive pelo bem estar que senti (e porque emagreci!!!!) e hoje consigo fumar um cigarro com a H, só um, algumas vezes por ano, quando partilhamos uma noite. serei fumadora até ao fim (ainda sonho, às vezes, que tenho um maço de ventil cheiiinho), só que praticamente sem fumar. é uma escolha e é nessa perspectiva que me parece mais fácil conseguir