terça-feira, maio 08, 2007

a minha mão esquerda, a minha mão direita

Não tinha previsto ontem acabar a noite prolongando o tema em discussão no Prós e Contras na minha esplanada preferida, num debate acalorado com o Rui Otero, meu parceiro de dissonâncias políticas variadas - principalmente quando, há um ano e tal, tive a infeliz ideia de, para lhe demonstrar a minha inadaptidão crónica para a militância partidária (e digo infeliz porque provocou nele um efeito contrário), lhe mostrar o cartão de militante do PS que tive desde Abril a Setembro de 2002 (curiosamente o meu outro cartão de militante partidário tinha sido na UEC de Maio de 74 a Setembro de 74, sobre o qual já falei aqui ). Tinha percebido, de forma categórica, que devia aceitar com a maior naturalidade a circunstância de que não tenho qualquer préstimo para a militância político partidária. Por características idionssicráticas o meu prazo de validade para a imersão na luta política é muito curto, como se verifica aliás pela durabilidade das minhas duas militâncias partidárias. Só voltaria à militância política partidária com receituário de uma psicoterapia, e breve, destinada a tratar uma qualquer patologia da desistência. Aprendi no entanto algo que me foi e é muito caro para o desenvolvimento de um optimismo pessoal. Os partidos não são o antro de oportunistas, de incapazes, de yesman - e yeswomans, já agora, diria a minha amiga especialista em género - que muito do discurso protofascista, e populista, sobre a política, e muito especificamente sobre a política partidária, anuncia. Claro que há disso. A mediocracia está fulgurante, espampanante, em número e em género. Em todo o lado. Até tu e eu, os últimos incorruptíveis, competentíssimos e belíssimos exemplários do bestiário humano somos à vez, seres estranhamente predispostos à mediocridade dos nossos dias. No entanto naqueles cinco a seis meses de filiação partidária testemunhei debates vivos e animados que íam desde a candidatura de secção, distrital, ao congresso nacional. Guardo no Outlook emails in extensio sobre a discussão estatutária enviados por camaradas anónimos - pessoas de reconhecida competência profissional em áreas tão diversas como a engenharia, o direito, a sociologia, a medicina - e dedicavam muitas vezes horas do seu lazer, da sua relação familiar, a discutirem o manifesto eleitoral de um determinado candidato, de um determinado programa, ou até, a reforma estatutária do Partido. Fui a reuniões diversas para organização, para um trabalho de discussão e apresentação dos lideres concelhios, da discussão temática de aspectos relacionados com a actividade política no seu sentido mais abrangente (educação, saúde, cultura, etc) em que os representantes discutiam com os militantes anónimos. Para mim que tenho desde sempre um vínculo à vida associativa, foi um prazer poder ter uma outra ideia sobre a vida partidária. O resto já nós sabemos. Mas muitos dos malefícios da influência da vida partidária na actividade política está directamente relacionada com a tendência para o não (re) conhecimento generalizado do trabalho associativo de natureza político que existe fora dos partidos. Aquilo a que chamamos sociedade civil ainda se encontra muito maltratada pela incapacidade de observarmos nela a diversidade da sua manifestação. Isto para dizer que se sobre a minha militância na UEC, tinha doze anos, encaro isso como um aspecto excêntrico na minha experiência política, a minha breve passagem pelo PS ( espero que eles encarem o não pagamento de quotas como uma desvinculação porque de facto, é outro problema meu, nunca me dei ao trabalho de lhes escrever a pedir a desfiliação) foi motivo de um grande enriquecimento pessoal e político. Guardo o meu cartão de militante com o mesmo empenho que conservo o de cartão do CLAC (clube dos amigos da comuna), ou os da escola secundária dos viveiros e da universidade nova. Esta conversa sobre o cartão, a militância parece aquela intrusa que entra e toma conta da festa. O que eu queria falar, e muito menos, era sobre a esquerda e a direita. Para dizer esta coisa pequenina: o que me entusiasma nesta erupção identitária que caracteriza hoje a aventura quotidiana é também a ideia de que os príncipios filosófico-políticos que organizavam o mundo em esquerda e direita servem mais para explicar a história, o passado - e nesse sentido, mas só nesse sentido, são importantes como condições para um mais produtivo trabalho prospectivo - do que para abrir o livro do futuro. Amanhã a política é outra coisa.

2 comentários:

Cristina Gomes da Silva disse...

Sabes, eu também tive uma curta militância partidária (JCP anos 80) mas isso não importa aqui. Quando li o teu post reforcei a convicção de que para fazer política e para termos intervenção cívica não deveríamos precisar de ter partidos. As causas e as redes à volta delas tecidas, deveriam bastar como factor de mobilização. O que me parece é que deixámos que as causas se afastassem de nós, neste quotidiano tao pouco generoso e solidário.

CCF disse...

Concordo com quase tudo, apesar do meu coração anarquista me ter impedido sempre de ter qualquer cartão. Conheci e tenho pessoas amigas em vários partidos políticos e acho também que aquilo não é uma cambada de oportunistas. Militei, contudo, muito e ainda o faço: na causa das coisas boas, quase sempre pequenas. E as escolhas são muitas vezes feitas em contigência, isto é, não há outras, acontece-nos várias vezes, nomeadamente quando votamos. E se não votarmos, essa também é uma escolha condicionada. É dificil pensar o mundo hoje, mas desafiante. E eu que vinha aqui só dizer: belo post!
~CC~