Se eu não tivesse um blogue nunca se saberia isto: há muito que sou um fura-greves. E não se saberia porque na minha face politica eu sou um romântico e incondicional defensor das greves, do direito à greve. Mas tenho de reconhecer, a última greve que fiz andava eu em Chelas, no 12ª Ano, em 1982 e fi-lo mais por despeito aos betos laranjinhas que passavam o ano inteiro sem fazer nada e que nesse dia colaram autocolantes no peito a dizer, Trabalho, sou livre, e lá foram sentar as suas levi's, as suas wrangler's e as suas loys de marca nas cadeiras das salas de aulas. Dois anos depois estava nos Correios e ía fazer greve quando o delegado sindical vem ter comigo e me aconselha, dada a minha condição de carteiro assalariado (onde já vão os tempos dos assalariados, com contrato, previdência e impostos) a não participar na greve. No tempo do Cavaco ainda tentei colar-me ao surto grevista mas sem sucesso, ou estava sem trabalho ou, como era freelancer, trabalhava ao dia e havia dias que nem isso. Desde essa altura que olho para as greves como um estranho ritual em que só ganham os sindicatos e o Estado e perdem sempre, em triplicado, os trabalhadores, maioritariamente os funcionários públicos. Porque os trabalhadores do mundo dos negócios e das empresas privadas fecham-se cada vez mais a este ritual. É claro que aos sindicatos isso já não é o que mais importa. Desde que os transportes empanturrem o trânsito, desde que as urgências empilhem utentes, que os pátios das escolas estejam desertos, que a justiça feche os seus processos, as televisões, as rádios e os jornais registarão o impacto social da greve e permitirão a sobrevivência política deste instrumento de resistência e de luta. Ganha também o sistema do ódio, fracturando o país entre os trabalhadores que todos os dias, sejam ou não de greve, têm de ir trabalhar, e aqueles que, por serem funcionários públicos, podem exercer o seu direito à greve sem grandes complicações. Tudo é mais complicado na vida dos primeiros. A entrega dos filhos nas creches e infantários, a deslocação para o lugar de trabalho. Um dia de greve é para os trabalhadores das grandes cidades, um dia de inferno, o dia mais longo do ano. E não faz sol nem é verão. É o sistema do ódio a facturar. Os trabalhadores por conta de outrém, não funcionários públicos, odeiam os seus colegas das empresas públicas e do Estado. Odeiam o próprio Estado. Amanhã quando se vier a falar da investida do privado sobre o público é disso que também se lembrarão. O Estado é o bom da fita. Até fala em transparência, em dados fiáveis e constrói bases de dados e procedimentos para que se possa acompanhar em directo a dimensão do acontecimento. Os patrões privados vestem-se de avózinhas: não cobram aos seus empregados os tempos perdidos nas filas, deixam-nos sair mais cedo, eles não têm nada a ver com isso. É claro que eu sou, como todos os românticos, um defensor incondicional das greves. E se eu não tivesse um blogue nunca se saberia isto, que eu sou um fura-greves.
quarta-feira, maio 30, 2007
O Fura-Greves
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4 comentários:
em 1982-83 também andava na e.s. olivais-chelas :-)mas não me lembro de qualquer greve, só que os professores faltavam imenso.
ser fura-greves... esse foi um dos 'argumento' que usei ontem em conversas: não me vejo como tal.
uma coisa de que não se falou aqui foi sobre os 'funcionários' com vínculo precário ou contratados, cada vez em maior número...
romantismo?! é-o sim, ainda mais acreditando e, ao mesmo tempo, sabendo que não são mais que moinhos de vento...
creio que andei em 81/82, Luísa. :)
Certeiro e incisivo, palavras certas que me fortalecem essa valência de podermos decidir a todo o tempo de ser ou não ser um «fura-greves».
Estou em espirito com a greve, só peca por defeito. Devia ser geral, por tempo ilimitado e já agora, também mundial.
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