sábado, maio 26, 2007
Uma solidão demasiado ruidosa
Há muitas vezes uma real míngua de espaços para a amizade se espraiar. Ou se não é de espaços é de tempos. Qualquer coisa é. De outro modo seria difícil compreender esta penúria de troca, de dádiva com que muitas vezes, quase sempre, fechamos as nossas noites, as contas dos nossos dias. Ou por outras palavras: de outro modo seria difícil expiar o nosso mal-viver. Eu não sei o que a amizade é. Mas adivinho aquilo em que ela se pode transformar. Num imenso espelho de água que se agiganta a partir da pequena poça de água que uma lágrima é. E é nesse espelho de água que a nossa vida se reprojecta, fala. Encontrámo-nos uma vez mais. Falámos pouco. Quase nada. Acontece. Há muitas vezes uma real míngua de espaços para a amizade se espraiar. De espaços e de tempos. Uma amizade verdadeira não desarma no entanto. Por vezes apenas se solta na despedida. Estivémos todo o tempo a fazer de super-homens - que cretinos! - até àquele último abraço. Ficámos em suspenso. Olhaste a rua, não vinham carros, não estavas ali, disseste:
- Uma vida é uma coisa tão grande, tão grande.
Olhei-te.
- Dura tanto. Dura tanto.
Aquele silêncio demorado onde cabe o mundo. Ainda bem que o deus das nossas histórias não é um argumentista da treta e é sensível a estes verdadeiros pastelanços que uma vida normal, quando contada, pode ser.
- É por isso que eu sei que ainda vou voltar a estar bem.
- Não estás?
Qualquer outra pessoa, ao olhar o nosso silêncio, diria que a conversa terminara ali, no sítio onde realmente começou.
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15 comentários:
Um abraço, Joaquim
Se não me engano, Sartre disse uma coisa mais ou menso assim:a revelação de um pensamento diante de um obejecto implica a solidão.
Abraço forte,
"respirar o mesmo ar" foi um dos primeiros blogs em que viciei :)há posts deliciosos, comoventes mesmo, este é um desses, obrigada.
Que belo momento. Obrigado pela partilha.
"Há muitas vezes uma real míngua de espaços para a amizade se espraiar. Ou se não é de espaços é de tempos." Começas assim, e bem, o teu escrito de hoje. E já pensaste se esta "coisa" viciante que se chama blog, não nos retira tempo e espaço para a vida real, os abraços reais, os amigos de carne e osso e sangue e lágrimas??? Bom fim-de-semana sem ser virtual :)
sinto isso de que falas, luto contra isso nma câmara lentíssima (tipo uma braçada de 3 em 3 meses). mas discordo com a Cristina: a net não me rouba tempo para a vida real; é antes um novo canal (um novo espaço, um novo tempo) por onde espraiar a amizade. não acho que isto seja o oposto à vida real, mas sim uma forma de realidade.
Adorei!!! Mesmo, Mesmo!!!
"Respirar o mesmo ar" soa tão bem...
Este deu-me vontade de mandar um abraço ao meu caro "padrinho" dos blogs, apesar da distância do tempo e do espaço.
bela postada, como tu dizes. gostei de respirar este texto.
:)
Tenho um amigo, que diz, sentir as amizades, consoante o silêncio das mesmas...
Há silêncios cúmplices e confortáveis e outros ensurdecedores...
Os amigos, que o são, transformam-no... em conforto, ou inicio...
Partilhas
Bonito o retrato em que a solidão se inverte no abraço cumplice.
~CC~
muito bonito. e é mesmo aqui que venho dizer-te... " já te sei!"...no meio desta chuva de maio de repente a memória abriu. um beijo imenso ( já com contornos )
esta caixa de comentários tornou-se numa caixinha de afectos. obrigado a t@dos.
"Uma amizade verdadeira não desarma no entanto. Por vezes apenas se solta na despedida."... e quando é assim, quantas vezes fica a 'saber a pouco'... como se o tamanho do que se sente no coração não coubesse na míngua dos espaços e dos tempos com que condicionamos tantas vezes, e idioticamente, as nossas vidas.
é no regresso, no caminho já solitário, que muitas vezes dá vontade de voltar para trás, para se estar mais um pouco, para partilhar essa 'explosão' de um abraço.
'esta caixa de comentários tornou-se numa caixinha de afectos'
caixinha d afectos - amei!
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