quarta-feira, junho 13, 2007
Dizer adeus em Lisboa
Milhares de pessoas à porta de casa. É isto o Santo António. Saio de casa para comprar sardinhas. Fiz caldo verde ontem. Sento-me no meio da minha solidão e como sardinhas. Eu gosto dos santos populares. Gosto de Alfama. A rua da Adiça. Gosto do dançarinhar ao som de uma marcha. Este ano no entanto resolvi ficar só. E nem resolvi. Fui resolvendo. Amigos telefonaram-me para ir ao Adamastor, somos muitos, disseram-me, é um grupo muito grande, e eu pensei, não, não me apetece. Reconheço uma face, duas, três, quatro, o máximo de cinco rostos por noite. Tudo o que passe isso é demais, demasiado agora. A certa altura vou tomar o café lá fora. Encontro uma amiga. Descubro mais tarde que ela está pendurada numa outra amiga que tem ligações a uma festa numa casa do largo, que conhece mais duas pessoas. Agrada-me. Gosto da ideia de rede, da teia. Uma delas é amiga do J. O que mais me agrada. Pensar nos amigos que não estão é um prazer. Estou só. A idade nos refina, nos apura. Lembro-me que da última vez que me despedi de um amor pensei que iria entrar em acting out. Eu não sei como se passa com os outros homens mas comigo é um desastre. Começo rapidamente a elaborar uma lista mental de todas as mulheres que, por uma razão ou por outra, não foram. E penso em comê-las a todas, em dias alternados. Tudo isto seria cruel, tanto para as mulheres que não amei como para as mulheres que amei, não fosse patético, ridiculo. Os amores que não amámos serão sempre amores por amar. Tudo o que não vivemos teve uma razão para não ser vivido e não foi uma questão de oportunidade. Nenhuma cópula resolverá isso de modo satisfatório. Desfaço-me da lista interior. Viro-me para dentro. Estou tão virado para dentro de mim que até o sexo ideal me parece ser a masturbação. Uma das coisas boas de se ser adulto é poder-se fazer-se o que realmente se gosta. Quando era miúdo masturbava-me debaixo dos lençois, na casa de banho. Agora posso fazê-lo onde quiser. Não tenho espelhos interiores. Quebrei-os. Masturbo-me muitas vezes a ver o rio. Não sei se é por ser verão, não sei se é por já me ter entristecido tudo, acontece-me sorrir interiormente. Eu faço parte disto. Estamos em 2007 e eu faço parte disto. Tenho alguns amigos verdadeiros. Entro no café. Olho a televisão. Lisboa, de Wim Wenders. Lisboa, aquela luz magnífica. Despeço-me de um amor em silêncio. Um amor, quando verdadeiro, nunca nos abandona. Faz parte de nós. Eu não sei de amores tristes nem da tristeza no amor. Não há nenhuma cópula que destrua isso de modo satisfatório.
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2 comentários:
Lindíssimo texto e excelente blogue.
Um belo texto sobre encontros e despedidas em Lisboa.
Mas fiquei com uma dúvida: Não sabes de "amores tristes nem da tristeza no amor". Se substituires "tristeza" por mágoa, manténs o que afirmaste?
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