quinta-feira, julho 05, 2007

Ao Serviço da República

A demissão da directora do Centro de Saúde, para além da miopia politica que revela, é sintomática de um problema que não tem sido devidamente avaliado: o da tomada dos vários lugares da administração pública pelas clientelas partidárias e o da consequente corrupção da ideia de serviço público.
Ele é tanto mais grave quanto é um precioso indicador do grau de contrôlo politico que os partidos têm sobre a administração pública: dificilmente se consegue imaginar - e o meio empresarial privado é tantas vezes, discricionário e autoritário - um outro sector da actividade onde um patrão pudesse explicitamente argumentar que despedia um dirigente por este não ter sido lesto não só a tirar um cartaz anónimo, como a dar as explicações sobre a demora com que o tinha retirado, sem que isso desse direito a um processo indemnizatório com muitos zeros. O que choca no caso de Vieira do Minho não é que o ministro Campos tenha despedido a Directora. É que tenha colocado em Diário da República as insignes razões que o levaram a demiti-la, principalmente quando vem agora argumentar que haveria outras e que esta foi apenas a gota de água que fez transbordar o copo. Isto não só revela sobre o que o ministro pensa do assunto mas também, porque a decisão já remonta a Janeiro, a irrelevância política que o PSD lhe deu.
É disto que parece ninguém tem interesse em falar. Que o PSD só pode ter tido este tema por irrelevante porque enquanto poder também tem a mesma prática e até o acha normal. Nisso, há que fazer justiça aos deputados do PS que agora, diante da publicação em Diário da República, vieram trazer o caso a lume. Foram eles que acharam que era um comportamento politico indigno. Já nem falo da própria ex-directora. Há milhares de razões que nos levam ou não a tomar determinadas atitudes e não me sinto à vontade para a criticar, mesmo que, ao aceitar a situação, possa contribuir para ficarmos com a ideia de que poderia ser realmente uma imprestimável comissária política. Esse é um problema nosso, que elaboramos muito rapidamente ideias muito fechadas e categóricas sobre os outros, não dela.
Quer isto dizer que como o PSD também tem como prática corrente este tipo de comportamentos, ao ponto de não achar a sua denúncia relevante, o facto do PS os praticar, pode ser desculpabilizadora?
Não, adivinha-se a resposta. A única coisa que pode querer dizer é que deveremos apostar o melhor das nossas energias na reforma da Administração Pública, dimensionando-a ao cumprimento de missões e objectivos cada vez mais comummente partilháveis, ao mérito de desempenho, à qualificação e formação profissisonal, à responsabilização diante do cidadão.
Não existe outra saída. O drama das nossas democracias é a sua circunstância: para sairmos deste atoleiro em que a clientelização da administração pública se tornou temos de contar com a vontade e a força política daqueles que clientelizam a administração pública.
A crítica que o PSD está a fazer sobre o PS, transformando casos separados numa narrativa da deriva totalitária ou autoritária, é mais um sinal desta tendência esquizofrénica dos principais partidos do nosso grande centrão político. E que permite que tudo fique na mesma: o PS, como é natural, irá tender para se acantonar, na generalidade, no discurso do seu património de defesa das liberdades, o PSD, irá tentar angariar, nestes casos particulares, o capital político que não está a conseguir ganhar pelas suas propostas políticas, esperando que, quando vierem as próximas chuvas, a enxurrada leve novamente os socialistas do poder, e possam recuperar o governo. Nisso a direita é muito mais perigosa do que a esquerda: afecta muito mais à tradição, à manutenção e conservação do poder, a direita consegue não ter grandes pruridos em transformar o discurso político num gigantesco efeito de retórica com validade reduzida.
Não deixa de ser caricato, entretanto: o partido que, por causa das profundas contradições ideológicas que integra, mais tem realizado para a reforma da administração pública - e que em muitos casos não é mais do que uma desgraçada alienação do património público - é o partido que agora mais sofre o desgaste dessa doença crónica que é a clientelização política do Estado. É a vida, como diria o engenheiro Guterres.

6 comentários:

Rui Mota disse...

O "clientelismo", não sendo endémico, acontece mais em países pobres e dictatoriais (Anton Blok "dixit"). Portugal, com poucas tradições democráticas e um baixo nível de vida, é um terreno fértil para tais práticas. No fundo, trata-se da centenária prática siciliana: a troco de "pagamento", recebe-se "protecção". Num país (semi)analfabeto, crente e pindérico como o nosso, qualquer mordomiazinha é sinónimo de "estatuto social". Em troca, basta filiarmo-nos num dos partidos que, alternadamente, vão dividindo o poder entre si. Pensam, aqueles que a esta lógica aderem, estarem assim mais protegidos. Como a realidade à nossa volta o demonstra, nada é mais efémero. Vai ser difícil abolir tal prática, pela simples razão que a cidadania não se constroi de um dia para o outro. Sempre foram trezentos anois de Inquisição e cinquenta de Fascismo, não é verdade? Não perceber isto, é perceber pouco.

Anónimo disse...

Gostei e concordo com o post. O problema é a politização de cargos da administração pública, de que os partidos do poder (PS e PSD) têm quase exclusivas responsabilidades. Esse é o verdadeiro problema.

Mónica (em Campanhã) disse...

a lógica partidária é toda a "accountability" que temos nos cargos púbicos. à falta de uma como deve ser (em que os titulares dos cargos respondem, periodicamente, pelo desempenho dos serviços que dirigem). mas tínhamos que ter alguma, não? de outro modo os dirigentes eternizar-se-iam nos seus cargos.

Mónica (em Campanhã) disse...

ihihih juro que foi sem querer, eram cargos públicos que eu queria escrever

Rui Mota disse...

O termo "accountability" (que o Sampaio, de educação britânica, tanto gostava de usar) significa, de facto, "responsabilidade". Por alguma razão, ele é sempre usado na sua forma inglesa...se calhar é porque não existe responsabilidade em Portugal. Para os dirigentes partidários do PS (e do PSD, já agora) sempre interessou mais a "fidelidade" do que a "competência". Não fui eu que disse, mas essa luminária política que dá pelo nome de Jorge Coelho e que, hé bem pouco tempo ainda, referia que entre os dois critérios, o primeiro era o mais importante para ocupar cargos públicos. Se é assim (e é assim!) como é que os "boys" podem ser escrutinados pela sua "accountability"?

JPN disse...

Continuo, regra geral, a permitir comentários anónimos. Por uma razão muito simples: há pessoas que eu gostaria de ter por aqui que ainda não se actualizaram o suficiente para fazer aquilo que para muitos parece muito simples, a criação de uma identidade no blogger, e por outro lado, dado o reduzido númerod e vezes que isso acontece, não chega a ser incomodativo apagar os comentários que fogem às regras mínimas da convivência. havia dois comentários anónimos que retirei e, por consequência, retirei também um outro, assinado, que a eles se referia.