Escrever num blogue é escrever para a frente. Já não me lembrava da última vez que tinha ido ler um texto meu. Há pouco recebi no gmail um aviso para um comentário a um post de 28 de Outubro de 2004, chamado Asas do Desejo. Foi numa altura em que inventei dois personagens, a Alice e o Vicente e avancei na busca da minha possivel heteronomia. Reli o texto e sempre com a sensação que não o tinha escrito. E à medida que o fui relendo fui reparando naquilo que na altura o respirar para mim era. Grande parte do que eu escrevia era, mais inconsciente ou mais conscientemente, para alimentar a minha empatia platónica com uma sabedoria que me vinha de um mal menor. Hoje já não escrevo assim. E tenho pena. É certo que por causa desse destempero do meu escrever actual descubro o grau zero da minha relação com o mundo: a escrita tornou-se tão interna aos meus processos de percepção que eu já a posso dispensar. Eu sei que não é isto que as pessoas esperam de um blogger. É natural que ele se projecte no escritor que deveria querer ser. As pessoas quando me querem elogiar a escrita de posts perguntam-me quando é que eu escrevo um livro. É um padrão de comportamento. No qual eu também embarco. Ainda ontem ao ler um excepcional post do Luís do Mal sobre o portugal excursionista me perguntei para os meus botões, quando é que o gajo escreve um livro?! O blogger na sua humildade de aspirante a escritor, o leitor blogueiro no seu protesto de uma escrita outra que antevê nestes pequenos nacos de prosa. É um padrão de comportamento. Sem ser mal comportado por natureza, quando penso na minha presença aqui vou fugindo, ao padrão. Calhou-me, vai calhando. Estive vinte dias afastado da escrita, da materialização gráfica da escrita. E percebi que mesmo quando estive offline escrevia. Aliás, escrevi os mais importantes textos da minha vida sentado numa rede de limoeiro. Sem estratégias de seduções aos meus avatares, aos meus leitores imaginários, aos meus leitores possíveis. Era só eu e este não saber. Este não querer. Esta desavença diária entre o que o meu corpo diz ao meu espírito e o que o meu espirito diz ao meu corpo. Acorda, mexe-te, revira-te, pina, pula, a tua identidade é o pino do Verão dentro de ti, diz, numa linguagem por inventar, o meu corpanzil de madraço. O meu espírito amplia a surdez crónica e selectiva que me vem da família, faz-se de mouco, manca-se, espanta-se, pergunta, sobre a identidade, sobre a felicidade, sobre a comunidade, queima o tempo antes dos penalties. O único momento em que o meu corpo e o meu espírito parecem da mesma família é num passe de dança. Tenho duas velhices à minha espera e não sei de qual delas espero mais: ou a de um velho de cabelos brancos com ar de miúdo a trincar o caroço do mundo como se estivesse a saborear a mais suculenta cereja, ou a de um cínico, ácido, e corrosivo velho, a xingar sempre no mitema da felicidade mundana o desespero do trincar em seco. Aquele velho que antevi ontem, pelo canto do olho, no Somerset Maughan do Exame de Consciência que a adormeceu. E aqui voltamos à circularidade referencial: no post Vicente falava de um livro por onde entrávamos dentro do livro, para o fora que o livro consegue ser, dentro das nossas impressões mundanas. Eu olhei para aquele Exame de Consciência e também entrei dentro dele, levando-me pelos trilhos do que eu palmilhei com Maughan. Foi ele, e não como eu pensava Sartre ou Russel, que verdadeiramente me ensinou a duvidar.
Sem comentários:
Enviar um comentário