terça-feira, agosto 21, 2007

Jardins que brilham

Encontro no jardim uma amiga, uma daquelas amigas que nascem do trabalho e cujo contacto embora morra com a mudança de azimutes profissionais nunca se desfaz. Brinca com o filho e com o marido. Este está de volta de outra criança que por sua vez está acompanhada de uma senhora que presumo, seja uma ama. Começamos a falar. Primeiro dos amigos comuns, depois dos negócios e finalmente da família. Pergunto-lhe se o rapagão é dele. E depois, como o marido continua a brincar com a outra criança, pergunto se também é deles. Ela afasta-se para um canto mais reservado e diz:
- Estamos no início do processo de adopção da Debra.
Está nervoso. Tanto ela como o marido e Miguel, o filho, trocam olhares cúmplices. Estão varridos por uma festa que também me toca. É como se fosse fugaz testemunha de um parto, de um nascimento. O processo da adopção já tem quatro anos e é a segunda vez que estão com a Debra. Miguel leva-lhe o chapéu, a pedido da educadora que acompanha a criança em processo de adopção. Ele fala-me também da forma como tiveram de envolver o Miguel neste trajecto e dou-me conta que isso lhe deu uma estranha e brilhante responsabilidade. Deixei-os no jardim. Com os meu botões ía a pensar em como as pessoas brilham quando se lhes passa um afecto por cima.

5 comentários:

Anónimo disse...

Ontem fui buscar, por ordem do Tribunal, uma Mariana, 4 aninhos cronológicos (2 de desenvolvimento), a um "curral" onde vivia com os avós e a mãe.
O avô, quem detinha o poder paternal desde a nascença, é um pedófilo, inclusivé já cumpriu pena de prisão por esta sua "mania", que incluia violar as filhas.
Conheci a situação em Junho... consegui, ontem, tirar, às garras do mal, aquela menina...
Veio ao colo, sem chorar, sem perguntar por ninguém.
Adormeceu profundamente na viagem.
Há chegada à Instituição dei-lhe banho, limpei-a da tristeza e desembaracei-lhe o cabelo dos medos.
Ensinei-lhe como se "dá a mão" e "como se abraça". No final perguntou baixinho "podes ser minha mãe?".
No regresso chorei... choro sempre.
Estes são os meus dias.
É bom saber que os dias destes meninos, que me fazem chorar, vão terminar no sorriso e na festa de outro alguém.

Um beijo Joaquim.

ana disse...

Até me arrepiei com este post... :)

Cristina Gomes da Silva disse...

Bom mesmo seria que os processos de adopção fossem mais facilitados e mais lestos, para que os verdadeiros afectos pudessem pousar na flor certa. Bonito post o teu JPN. Abraços

Mónica (em Campanhã) disse...

é uma coragem que eu gostava de ter (e não arranjei ainda). arrepia que haja ainda todos os dias Marianas

Anónimo disse...

Lucas/Estação do Oriente

De tez morena, tronco nu (a t-shirt presa nas calças). Segura uma bicicleta.
Vi-o aproximar-se da máquina dos bilhetes, pôr os dedinhos no ecrã digital, olhar com atenção. De repente um ar de desespero - coçava a cabeça. Vi-lhe lágrimas nos olhos. Aproximei-me.
- Precisas de ajuda?
- Sim (com uma voz doce e olhar meigo)

Apaixonei-me...

- Queres um bilhete para onde?
- Stª Apolónia
- Não podes tirar aqui. A máquina é aquela ali ao fundo. Mas... Estás perdido?!
-Não. (outra vez a voz doce)Roubaram-me a carteira.
- E não queres ir à polícia?
- Já fui, ali na expo... disseram que não podiam fazer nada.
- E tens dinheiro para o bilhete?
-Acho que sim... (mostrou-me umas moedas que segurava na mão)

Chegámos à máquina. Ia escolher o destino...
- Pode pôr Rossio que fica mais perto?

Eu sei que a estação do rossio não está em funcionamento. Expliquei-lhe e perguntei onde morava.

- Na Rua da Prata. O rossio fica mais perto.

Escolheu o destino e começou a inserir as moedas. Faltaram 5 cêntimos. Coloquei uma moeda de 20.
Apanhou o bilhete e o troco - estendeu-me a mão. Disse para guardar e dei-lhe mais 2 euros. disse q não era preciso. Insisti e disse-lhe que podia precisar deles.

- Obrigado.
- Sabes qual é a linha?
- (aceno de cabeça com um não)
- Anda ver... é linha 8. É esta.
- Tenho que subir?! (olhou as inúmeras escadas)
- Não. Podes ir de elevador. Queres que vá contigo?
- Sim. (com um encolher de ombros)
- Como é que te chamas?
- Lucas
(que nome lindo)

Entramos no elevador. Já as lágrimas tinham secado...

- Quantos anos tens?
- 11
- E andas na escola?
- Sim. No 6º ano

Olhei para o rosto de menino. Lindo. Apeteceu-me apertá-lo, protegê-lo. Levá-lo a casa. Saber onde morava. Com quem morava...
Quis ser tudo.
O comboio chegou. Entrou. Carregou a bicicleta. Suspirou. Olhou-me e mais uma vez um Obrigado.
Acenei-lhe e fiquei ali a ver o comboio que levava o Lucas. As lágrimas dele desaguavam agora nos meus olhos...

Tenho um filhote de 2 anos e se o processo de adopção não fosse tão moroso e complicado certamanete que seria uma opção. Tenho medo de envolver o meu filho e não ter o desfecho esperado. Mas como ousar faz parte da minha forma de estar talvez um dia ouse fazer feliz uma criança.

Rita