terça-feira, setembro 11, 2007

A humildade dos jornalistas

Eu estranhei. Ela desprezou a nossa esplanada de sempre, queria ficar a ver o Prós e Contras sobre o caso Maddie. Ainda lhe perguntei, por causa da sua área, que implicações políticas é que isso tem?!. E a razão que me deu ainda me intrigou mais: " ao contrário dos disparates que tu, no teu blogue, escreves sobre os jornalistas, eu preocupo-me com o modo como o jornalismo pode ou não influenciar negativamente a vida das pessoas. E este caso é um daqueles em que tenho receio que tenhamos construído um monstro."
Não lhe disse nada. Quer dizer, solidarizei-me com ela, deixei o café na esplanada e fui sentar-me na sua rede, partilhando o seu estupor diante da reportagem da Sandra Felgueiras, ainda bem que o Henrique Monteiro teve o discernimento para logo ali contraditar a jornalista, a sua participação numa visão muito orientada, especialmente quando a Fátima Campos Ferreira se despediu dela a dizer, excelente trabalho. O mais engraçado, e já o escrevi algures aqui [post "Que se lixe o real!"], é que este caso Maddie é feito no circo romano que está montado com a participação de todos, pais, media, comunidade e nele os jornalistas têm um pequeno e irrelevante papel. O que é que eles podem fazer?! Aquilo que os seus patrões os mandam fazer: uma espécie de coreografia dos flashes fotográficos e das câmaras de filmar às portas da moradia dos McCann, da PJ, do Ministério Público, um dizerem aquilo que os outros já escreveram, realizarem aquelas manhosas entrevistas de rua a turistas e a populares, fazerem directos à porta do Ocean Club, sempre com o foi ali atrás de mim que tudo aconteceu, ou interpretarem as mensagens cifradas do porta-voz da PJ. . Este até é um caso que, pedagogicamente, terá os seus frutos e espera-se que, nos próximos tempos a qualidade do trabalho jornalístico suba uns furos. Porque andando a verdade aos trambolhões, entre o diz-se que raptou, o diz-se que matou e o diz-se que descuidou, os jornalistas, por pressões que eles deverão melhor saber identificar e enfrentar, acabam por estar pouco disponíveis para o mais importante: darem-se o tempo necessário para compreenderem a fragilidade dos aparatos de verdade que o processo narrativo do trabalho mediático utiliza para fazer seguir a história. Eles, os bons - porque os maus coleccionam com vaidade palmadinhas nas costas de quem não percebe a diferença entre um bom trabalho jornalístico e uma boa performance televisiva, onde conta tanto o vestido elegante como a determinação elocutória, como aconteceu ontem com Sandra Felgueiras e os elogios de Fátima Campos Ferreira - são agora confrontados com a humildade de perceberem que enquanto tiverem como fundamental a enunciação de uma determinada história que convença o share, vão estar sempre à mercê deste tipo de situações.
É irónico que neste caso em que os jornalistas quase nenhuma culpa é que eles se sintam mais preocupados. Saudêmo-la, à preocupação. É um princípio de humildade que nos dá alguma esperança, principalmente quando sabemos que grande parte da contrafacção jornalística decorre de, no processo de concepção do produto jornalístico, intervirem tantos agentes que não são jornalistas, que não sabem o que é o jornalismo, e que pior do que isso, o confundem com as pequenas novelas do dia a dia.

8 comentários:

Mónica (em Campanhã) disse...

oh Joaquim, essa dos serem os patrões que lhes mandam fazer as coisas não colhe: cada um de nós só faz o que escolhe fazer, embora nunca se tenha tudo à escolha, um jornalista tem de certeza outras escolhas. eu preferia fazer rissóis, guiar um táxi ou mesmo cuidar dos jardins da freguesia (sempre podia ouvir toda a música que me apetecesse) do que fazer o meu trabalho de forma oposta à que entendo ser a correcta. portanto não há que ter peninha nenhuma dos jornalistas. nem dos telespectadores, porque só vê aquela imensa insanidade quem quer. cada um tem de começar por si, pelo seu mundo, fazer as suas opções e levantar-se por elas, sem choradinhos.

JPN disse...

M, que bom ver-te com tanta genica! :) Mas não tenho peninha de ninguém ( que raio de sentimento para se ter por alguém!). Leste o "Que se lixe o real!" ( viste, pareço aqueles escritores que linkam os seus livros a outros livros para entusiasmar a leitura!)? O que ´me parece é que o rpoblema é um pouco mais complicado do que aquilo que a televisão faz. o que eu me começo a questionar é se é a televisão que imprime estes modos de ver, se somos nós, e estou a assumir-me no colectivo, que levamos a que os media prolonguem as grelhas de leitura que já temos na vida de todos os dias? bj

JPN disse...

quanto ao resto, de acordo!

Cristina Gomes da Silva disse...

Desculpem meter-me na conversa, mas se há "coisa" que nos modela hoje é, sem dúvida, a influência dos media e com isto quero dizer que o nosso olhar/pensar é muitas vezes induzido pela facilidade com que ingerimos o que alguns jornalistas nos servem no prato. É bem conhecido o discurso de que, nomeadamente a TV, dá(?) "ao povo" o que o "povo" quer ver/ouvir, mas nós sabemos que não é bem assim. O nivelamento tem sido feito por baixo, pura e simplesmente porque o "povo" é numeroso e quanto mais se vender melhor, seja sabonetes ou notícias chocantes e muitas vezes razoavelmente manipuladas. Abçs

Mónica (em Campanhã) disse...

pois claro que não é só um problema dos media. cada um de nós, consumidores de media, tem de escolher o que consome. e eu TV (dessa, portanto quase nenhuma) não papo. desligo, saio da sala, ponho os phones. quando vejo a Fátima Campos Pereira a conduzir um programa que se rege pela pergunta "quem são os culpados" de uma crime que ainda não foi a tribunal, não quero ver mais nada (só às vezes o olhar daquela mãe, tentar prescutá-lo). cada um de nós precisa de se olhar no colectivo em que entra. há escolhas, mesmo sem haver uma TV de excepção, há escolhas. desligar é uma escolha. e aquilo que não vejo preocupa-me um pouco menos. e enquanto não vejo, posso ver outras coisas, de todas as imensas que vale a pena ver e não se consegue.

JPN disse...

"cada um de nós precisa de se olhar no colectivo em que entra."
assino por baixo.

Susana Neves disse...

Joaquim:

Não vi o programa de que falas, só ouvi alguns momentos e tenho acompanhado o caso pelos jornais e pela net. Interessa-me muito esta história da Maddie porque a probabilidade de a grande e bem sucedida campanha global de marketing ser um alibi a transforma num crime histórico - porque eminentemente moderno.
Por outro lado, é interessante, observar os preconceitos da opinião pública e dos media britânicos em relação aos portugueses. Está em causa a sua arreigada convicção de superioridade.
Os jornalistas precisam de pensar mais, para deixarem de ser vulneráveis aos poderosos. Por vezes, o jornalista convence-se de que tem poder, de que é respeitado mas a maior parte do tempo é visto de forma desprezível, porque precisamente é controlado demasiadas vezes.
Cada um tem a sua consciência, a precipitação em conseguir um furo é sempre um risco.
Das poucas coisas que ouvi nesse programa, uma arrepiou-me: ninguém pensar que tanta divulgação poderia ter levado à morte da criança, se ela estivesse viva.

JPN disse...

Susana, que bom ver-te por aqui! É, também, tudo isto que tu dizes. :)