quinta-feira, setembro 06, 2007

O direito a informar e as escutas

Há um movimento subscrito por jornalistas, intitulado Informação é Liberdade, que se insurge contra todo o edifício jurídico aprovado pela Assembleia da República, ou à espera de aprovação, referente à sua actividade profissional, no qual se integra a proposta de Estatuto dos Jornalistas, em boa hora mandada regressar ao Parlamento pelo Presidente da República.
O que se passa - para além de uma real incapacidade de comunicar por um ministro que se refugia no seu consensual brilhantismo e inteligência académica para não assumir que é de uma crassa estupidez política construir uma proposta de regulação de uma classe profissional conseguindo ter a grande maioria dos que a integram contra ela - está bem resumido no despacho com que o Presidente da República devolveu a proposta de diploma: a bondade do documento é de díficil compreensão, a maldade do mesmo salta à vista de uma forma grosseira. É certo que os jornalistas deixaram muito trabalho de casa por fazer ao longo dos tempos (nomeadamente a criação de uma Ordem profissional) mas, como o veio dizer a Comissária Europeia, a auto-regulação parece ser um dispositivo capaz de promover a qualificação da actividade profissional dos jornalistas.
Ora, neste excesso de razão também de repente tropeça o disparate, como acontece com este post, sobre a proposta de regulação da divulgação das escutas telefónicas: "Sobre a norma do novo Código de Processo Penal que impede a publicação de escutas sem autorização dos "intervenientes"mesmo que já não estejam na alçada do segredo de justiça (ver aqui e aqui), o MIL (Movimento Informação é Liberdade) apenas diz uma coisa: dado o absurdo do seu conteúdo tudo fará seu alcance para seja revogada."
É um argumento espantoso que parece não permitir a refutação. Em primeiro lugar, e se em relação aos documentos de regulação dos jornalistas me coloco de fora, citando apenas aquilo que é já voz consensual na matéria, já em relação a uma proposta do código penal, me sinto estimulado a discuti-la. Aliás, escrevi aqui o bom e o bastante sobre as escutas telefónicas para se perceber que o que me move não é algum desejo de limitar o direito a informar, é a de promover o entendimento de que as escutas telefónicas são um dispositivo de investigação que tem de ser encarado sempre com pinças, porque pode muito bem, promover em democracia, um controlo sobre a intimidade dos cidadãos que consubstanciaria um dos mais graves atentados à liberdade dos cidadãos em 33 anos de regime democrático.
Porque o que ressalta da proposta de lei é que o que é proibido é a transcrição das escutas. Só um jornalista perguiçoso, relapso e contumaz é que pode atrever-se a dizer que é um atentado ao seu direito de informar não poder transcrever uma determinada escuta que deixou de estar em segredo de justiça, quando poderá livremente dar conta do seu conteúdo informativo. Uma escuta telefónica é uma iniciativa de natureza policial que produz informação relevante e não relevante que não pode ser dissociada. Imagine-se a seguinte conversação retirada do apito prateado:
"- É pá, o dinheiro, foi entregue?
- Tá tudo nos conformes, a amante do Zé da Bancada levou-o.
- Quem, pá?
- A gaja dele, a Inácia "
Onde, quando, porquê, como, é relevante para o conhecimento público sobre o acto de corrupção realizado pelo Zé da Bancada que ele tenha uma amante? E que fulana de tal seja sua amante?

Sem comentários: