Comecei a juntar um crescendo de perplexidade ao ouvir falar sobre a educação, sobre a crise na educação, sobre o problema da educação. Vamos por partes. O que é a educação? O que é educar? Ou por outras palavras, quando falamos de educação, estamos a falar exactamente de quê?
Eu creio que de uma forma simples pode dizer-se que a tarefa educativa consiste na transmissão de competências (em forma de conhecimentos, saberes e valores) que permitam aos individuos integrarem-se socialmente da forma mais harmoniosa que lhes for possível . Educamos os nossos filhos para que eles adquiram os conhecimentos e os valores que lhes permitam retirar o maior proveito e reconhecimento da sua inserção na comunidade da qual são parte. Para o sucesso da tarefa educativa concorre um consenso: o de que a inserção na comunidade é tanto melhor quanto maior for a familiaridade do individuo com a cultura (de uma forma lata, abrangendo todos os domínios do conhecimento humano) dessa comunidade.
Com esta premissa, deduzimos logo uma evidência: a educação é uma tarefa que é tanto mais fácil quanto mais estável for a forma como uma determinada comunidade se representa a si mesma (quer no que ela é, foi, e principalmente, no que ela quer ser) em relação a aspectos fundamentais da vida social. E principalmente, pela forma como ela projecta aquilo que é uma pessoa. E por contrário, ela é tanto mais dificil quando maior for a eferverscência no caldo cultural de conhecimentos, saberes e valores que devem ser transmitidos através da prática educativa.
Podemos nesse aspecto invejar o mestre da escola pública do Estado Novo. Ler, escrever, contar eram as competências básicas para todos os educandos. Aos quais se somavam os conhecimentos sobre o território do império e os feitos de uma história soletrada de dinastia em dinastia. Em cima da secretária de madeira o livro oficial para cada uma das classes era uma espécie de caixa muito bem arrumada, cheia de prateleiras com os saberes que o regime entendia dever ser transmitidos.
[Não deixa de ser curioso que quando hoje se fala em crise da educação, ou do sistema educativo ser mau, o perfil de excelência que transpira logo a seguir é das competências básicas na língua e na matemática, reproduzindo assim as ambições da escola pública do Estado Novo.]
2 comentários:
não deixa de ser curioso que no Estado Novo a "língua" consistia em saber alinhar letras em palavras e em frases e a "matemática" em saber somar, subtrair, multiplicar e dividir (ou seja "aritmética")
Só com grande malabarismo é que se confunde estes conceitos com os da "língua" e "matemática" de hoje.
haja paciência...
sim, esse é um aspecto muito curioso também. mas não creio que seja malabarismo. confusão sim, em parte. muitas das pessoas que ouço a fazer a apologia do desastre educativo por causa da incapacidade de transmitir as competências básicas de lingua e da matemática, reportam-se não à evolução que se assistiu no campo do ensino da matemática e da língua, mas aos seus próprios referenciais do que eram as competências básicas no campo da língua e da aritmética quando eles próprios andavam na escola.
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