No post anterior tentei lançar a ideia de que há uma correlação entre a estabilidade cultural de uma determinada comunidade e a maior ou a menor dificuldade da tarefa educativa. Andei na escola do Estado Novo - a minha mãe foi nela professora primária - e depois andei também na escola pós-revolucionária dos anos de 74 a 80. Participei por isso, involuntariamente, na efervescência social e politica que se manifestava também no sistema educativo. O que é natural. Uma das traves mestras da consolidação de um determinado regime político é o lugar onde se transmitem os conhecimentos e os valores que ele entende como indispensáveis à sua sobrevivência política. Ora todos sabemos como a identidade social da nossa comunidade estava em estado de dissolução/reconstrução permanente nos anos revolucionários. Havia um país que se olhava ao espelho e não se reconhecia totalmente. Havia no rosto marcas de um passado totalitário, de uma censura que tinha filtrado modelos e referências que agora se achavam como fundamentais. Os olhos eram os do futuro, a visão era prospectiva mas coabitava com vincos de um regime que a muitos causava incómodo. Aquilo que se passou na educação não podia ter deixado de se passar assim. O novo regime não podia aceitar que se continuasse a transmitir os valores do regime que tinha sido derrubado. O problema, o poblema, como diz o meu filho sempre que enfrenta uma situação mais complicada, é que a desestabilização da forma como a comunidade se representa não era entendida por todos da mesma maneira. O Estado Novo reproduziu-se na escola, na família, na igreja durante quarenta e oito anos. E nem todos a sabiam trabalhar da mesma forma. É natural também que as cabeças dos portugueses não estivessem muito adaptadas ao upgrade do sistema democrático. Havia aqueles que eram claramente a favor de uma mudança de regime. Havia aqueles que eram claramente a favor do regime anterior. E havia aqueles que eram a favor ou contra o regime conforme fossem mais afeitos ou contrafeitos à mudança. Ou seja, havia aqueles que se as mudanças fossem rápidas, indolores, encolhiam os ombros e se adaptavam mas que, ao primeiro sinal de crise, de dor, de dificuldade, começavam a lembrar-se do tempo da outra senhora. E havia também, entre os revolucionários e os reaccionários, muitos que não sabiam perceber as marcas que um sistema de transmissão de conhecimentos que se baseava no autoritarismo, lhes tinha deixado. E estes todos eram à vez pais, professores, gestores educativos. Não admira por isso que o paradigma da mudança que se instalou no sistema educativo desta altura não fosse muitas vezes um verdadeiro querer ir para algum lado mas um mal estar, uma incapacidade de estar num determinado sítio. Mudava-se para não se ser obrigado a reconhecer que ainda éramos, e seríamos por muito mais tempo, os filhos do Estado Novo. Os alunos, os professores, as famílias, eram cobaias de modelos que duravam muitas vezes apenas um ano lectivo. Todos nós sabemos concretamente o que é este paradigma da mudança e as marcas e os anticorpos que deixou quer na sociedade, quer no sistema educativo. O que não estamos é sincronizados na forma como o avaliamos. Para muitos, ele é um detonador imediato de uma critica sobre a nossa educação. Temos ainda com ele uma experiência traumática. Para outros, onde me incluo, ele foi uma oportunidade para - involuntariamente - nos prepararmos para o modo avassalador como o paradigma da mudança se introduziu de forma global, e transversal a todos os domínios da sociedade contemporânea.
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