sexta-feira, maio 02, 2008

A zona da "não política"

No outro dia cruzei-me na Brasileira do Chiado num café rápido com uma francesa, amiga de uma amiga minha. Aquela conversa habitual sobre a cidade. Ela estava muito intrigada porque não viu os sem abrigo (sdf's) a dormir no metro. Em Paris, antes do metro fechar, hordas de sdf's fazem do metropolitano abrigos subterrâneos. Disse-lhe que cá não. Cá, quando faz muito frio umas senhoras das irmandades laicas ou religiosas vão distribuir mantas. Se o frio aperta ainda mais as senhoras antes de distribuir mantas passam pelo paço municipal e são capazes de fazer com que a Câmara distribua umas rações quentes ou improvise uns abrigos. No Natal alguns deles dão boas histórias a estagiários ou jornalistas desinspirados mas os sem-abrigo não têm nenhum valor político. Os eleitores das nossas democracias vivem dentro de casas. Nenhum político se lembraria de fazer parte substancial da sua campanha a fazer retornar à política os votos dessa mole humana que dorme nas ruas, por baixo das escadas ou das arcadas dos prédios. E vendo bem, seria uma ideia estimulante, quase uma espécie de filho pródigo: andamos aqui a consumir a nossa esperança na democracia num desencanto aburguesado e de repente, do fundo esconso das ruas mal cheirosas deste país viriam os novos democratas. Não é provável que isso aconteça, nem mesmo com o nosso Paulinho das farturas, dos pescadores, dos mercados e das vendas de fruta. Os sem abrigo, sem domicilio fixo, continuarão a poder ao menos dormir em paz sem serem sacudidos a meio do sono pelo fantasma da demagogia e da falsa política. O seu domínio são as confrarias religiosas, as associações cívicas. Nós não só não moramos na rua como vamos perdendo a nossa capacidade empática.

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