sábado, julho 26, 2008

As explicações da Quinta da Fonte

Escreve Fernando Madrinha no Expresso, o real, o do saco, sim, hoje passei-me, comprei-o: " Na avalanche de notícias sobre a Quinta da Fonte houve uma que apareceu pequenina nos jornais e tem sido pouco valorizada, mas é muito reveladora e instrutiva.../...a renda média das habitações do bairro é de 4,26 euros".

Eu não sei se Fernando Madrinha lê o Expresso em que escreve. Espero que sim porque o tenho como um bom jornalista de quem gosto de ler as entrevistas que promove. E espero que, nalgum momento da sua releitura, ele se releia como eu o li. Há mais no texto de Madrinha, a história do plasma, do dvd (que decerto também ninguém, de Crespo a Trespo, valorizou - , mas como o dia é curto para tanto fiquemos apenas com as (incongruências) gordas.

Em primeiro lugar a precisão: na avalanche de notícias sobre os incidentes ocorridos na Quinta da Fonte.
As notícias não foram sobre a Quinta da Fonte, embora como esta só é notícia quando há incidentes possa parecer. Não sendo as notícias sobre a Quinta da Fonte mas sobre os incidentes, talvez seja mais natural do que parece que os jornalistas não tivessem valorizado a informação sobre as rendas. Embora a tivessem dado. Se calhar o jornalista que estabelecesse uma relação entre os incidentes e o valor da renda, valorizando-as, estaria a ser um pouco tendencioso. É que não se percebe muito bem qual a relação entre o valor do pagamento das rendas e as cenas de tiros. É claro, está tudo ligado e isso é o delírio para quem aposta na compreensão fácil. Como aquelas pessoas que como Madrinha e Mário Crespo - que também são jornalistas e que por isso aumentam o tratamento do facto pelos jornais- podem ter espaço de opinião nos jornais e valorizar muito esse facto como chave explicativa daquilo que se passou lá.
Eu compreendo o efeito retórico do "ninguém deu muita importância a esse facto". Permite depois a entrada em grande da sua ideia, validando-a. E todos nós temos direito à nossa retórica. E a defendermo-nos das alheias. Mas é importante que Fernando Madrinha - consultando os comentadores, as notícias, as correntes de correio electrónico com o texto de Mário Crespo - não se iluda: esse facto, o valor das rendas, e o seu não pagamento (que é grave, que merece, noutro contexto, e à luz da acção social do Estado, ser pensado e avaliado) foi muito hipervalorizado, diria, foi excessivamente valorizado em relação ao contributo que parece poder dar para a explicação do que aconteceu.

3 comentários:

Mónica (em Campanhã) disse...

eu acho que percebo onde tu queres chegar Joaquim mas não concordo que a menção do valor das endas dos ciganos seja só isso: pode também ser uma explicação para o desprendimento (têm uma casa que avndalizam e chegam a preferir dormir no jardim) e para a exigência ("dêem-nos outra, já"). pagar 5 euros por mês por uma casa faz dessas pessoas crianças de 5 anos na ideia que têm do valor dos bens.

JPN disse...

sim, mas olha, não é preciso ser rom (agora dei em chique, vou chamar assim os ciganos) nem vandalizar a casa para preferir dormir no jardim (desde que com dose substancial de repelente de insectos, :)).

agora a sério: é claro que, na medida em que há quem tente explicar os acontecimentos a partir daí, que são uma explicação. má, no meu entender, mas explicação.
mas o que chamei a atenção é que, enquanto notícia, ela não deve explicar, deve informar, e Madrinha sabe isso muito bem. Pelo que não deveria ser dada muita relevância porque o facto não parece ter por si só essa autonomia informativa e só tem lugar porque, como desconhecemos tudo da Quinta da Fonte e só lhe podemos dar atenção nestes seus quinze minutos de (in)glória, temos de meter tudo lá dentro do mesmo saco, correlacionando perigosamente alguns factos.

E depois, o que tentei também explicar é que uma leitura mais atenta dos jornais daria para perceber que o aspecto das rendas e do seu não pagamento foi até demasiadamente destacado.

Não entrei na discussão das rendas (nem do correlativo sobre os dvds e play stations) porque me parece que ele não só é descabido como é mal formulado. Não são só os roma que gastam em dvs e play stations o que não têm para comer. Ainda no outro dia vinha um artigo sobre os pedidos de comida na assistência social por email.

Mas disse que era mal formulado: quem colocou o preço das casas a 5 euros não foram os roma, foi o Estado. Se o teu senhorio te pedisse cinco euros pela casa onde moras, o que é que pensavas dessa sua intenção?

Eu, distraido como sou com as contas, se calhar até me esquecia de pagar. Pensava, quando vierem pedir pago tudo junto. E se mês após mês ninguém te viesse cobrar?

Ora o que eu acho é que é inaceitável que isso seja atribuido como um tratamento de favor. É uma outra face do mesmo desprezo que o estado social lhes dedica.

Arrisco: para que haja desinvestimento do estado nesse domínio há, nos níveis superiores desta cadeia de poder, desperdícios muito maiores. Não sou bruxo nem adivinho chuva como a minha mãe, mas palpita-me...



:)

Mónica (em Campanhã) disse...

como de costume abres-me e iluminas-me caminhos e modos de pensar. fico a pensar nisto que dizes