Não é que eu não concorde com o Luís. Concordo, e como diz a Mónica, concordo do avesso, do direito, de todas as formas. Não é que não concorde com ele. É que não pratico. Sou, recorrentemente, um cobarde. Aos meus personagens concedo, por vezes, repentes de heroicidade e reparem, eu cheguei ao ponto de uma tal nulidade intelectual e a um grau zero de cidadania em que é tido como acto heróico um tipo, por exemplo um funcionário público, do Estado, da coisa pública, que, face a um chefe hierárquico que não respeita ou por alguma forma corrompe a missão de um determinado organismo, lhe diz claramente que o vai pôr em causa, e que o faz sem medo porque está muito claro para ele, e para os que o rodeiam, que a quem ele deve obediência é à coisa pública. Chegámos a este ponto portanto: o heroísmo tornado acto mais rudimentar de uma cidadania. Já pensei de maneira diferente. Já pensei como escrevia e quando escrevia a tons fortes de um jovem republicano convicto da força das instituições democráticas. Agora penso e começo a fazer as contas ao fim do mês, ao facto deste mundo não estar para os revoltosos e calo-me. Ou então, eu que já não me revejo em nenhum sonho de poder que não seja um fim de tarde a brincar com aqueles que amo, sou toldado pelos projectos de poder dos meus amigos. E calo-me mais outra vez. O único trunfo que encontro nesta mudança face à minha revolta de juventude e de primeiro estado adulto é, o que já nao é pouco, a perda de arrogância. Deixei de falar do que os outros devem fazer. Sofro com o que não faço. É claro que tenho, enquanto dramaturgo, um pequeno privilégio: posso (entreter-me a) criar pequenos seres que lutam por mim. Que se revoltam por mim. Que me ajudam a não me sentir tão limitado na minha responsabilidade individual. Mas que não me fazem (nunca) esquecer a minha cobardia.
1 comentário:
ó Joaquim, não me acredito nisso, nessa tua aqui apregoada conformidade. porque não é de arrogância nem de revolta de que estamos a falar, é de consentirmos ou não o que é abjecto, é de fazermos nós no nosso pequeno mundo o que tem de ser feito. tu dás o exemplo de pôr em causa o chefe. ok, eu tenho uma chefe que não respeito mas também não fiz da minha vida um cruzada para a pôr em causa (para ser coerente teria de trasformar a minha vida numa cruzada para a pôr em causa a ela e a tantos outros). mas não hesito em dizer: "eu não", sempre que da sua actuação como chefe saiem ordens em direcção a mim que me tornariam uma agente como ela, de não respeitar. e digo, numa reunião à frente dela "eu não, porque isso é abjecto". pode parecer pouco mas é um mínimo que, se fosse contagioso, poderia mudar o mundo (perdoa a imodéstia).
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