sexta-feira, setembro 19, 2008

Ninhada no quintal

[Susana Neves *]
Ontem quando chegámos a minha casa ela disse-me:
- Eu acho que os gatos andam a dormir nos sacos que tinhas posto para o lixo. - Eram roupas velhas, uma almofada cheia de pêlos de gatos, que eu tinha posto num saco dos chineses para levar para o lixo - já vi sair de dentro do saco uma gata.
Ela saiu para o quintal e de repente ouço-a chamar-me:
- Quim, anda cá ver isto! Ela pariu dentro do saco.
Tinha uma ninhada de três gatos, dois malhados e um preto, ainda de olhos fechados. Peguei num, até ser adoemestado por isso, parece que as mães se lhes reconhecem outros cheiros os abandonam.
Ao abrir a porta a gata foge, salta o muro e fica no quintal da vizinha. Eu tenho uma sensação ambivalente com estes gatos: não gosto que façam as suas necessidades biológicas no meu quintal, em alturas em que esteja quinze dias fora percebo que o meu quintal foi um parque de campismo da gataria da zona e há um fedor que empesta o ar, não gosto que se coloquem em cima das almofadas do quintal, e, principalmente, detesto quando uma vizinha meio amalucada de um andar superior atira sacos com restos de comida para os gatos. Fê-lo poucas vezes desde que estou lá a morar, é certo, mas quando não me pressente em casa lá lança o seu petardo alimentar. Eu disse ambivalente: desde que na Comuna o João nos fez trabalhar com o exercício do gato do Grotowski que comecei a desenvolver um afecto pela personalidade altiva e sobranceira dos felinos. Tanto que muitas vezes me pergunto se o que verdadeiramente me incomoda são os gatos ou a minha vizinha amalucada.
Gosto de gatos e gosto cada vez mais de gatos. Só ultimamente resolvi afugentá-los mais a sério. Quando vim do Brasil tinha o quintal fedorentoe , enraivecido, imaginei que estavam ali os gatos, o RAP, o ZDQ e os seus comparsas a gritarem pinhal, pinhal, e pú-los em debandada do quintal. Mas desde ontem que dou por mim a piscar o olho à gata-parideira e a dizer-lhe para vir. Já coloquei todos os sacos e tudo o que estava para o lixo no lixo menos o saco-maternidade. Aconcheguei-o ao canto. É uma aproximação. Logo à noite vou dar-lhes de beber e de comer. A minha guerra com os gatos, com o seu fedor encorpado, com os próprios vizinhos, sofre uma pequena trégua. É o mistério da vida num saco de sacos, de panos e de almofadas velhas.
[*Imagem da colecção National Catographic Magazine],

1 comentário:

mfc disse...

A natureza é bestial.
Há só que a compreender.