quarta-feira, setembro 17, 2008

O segundo pai

Nunca o chamarei de pai, calculo. Há entre nós, uma rivalidade ambígua. Se por um lado lhe roubei a filha, de certa forma, restitui-a, investindo-a daquela dignidade que cada um de nós tem quando é amado. Tem os oitenta e seis anos mais bonitos que eu já vi num ser humano. É culto, interessado pelo mundo, lúcido, de um humanismo integro, não tem aqueles achaques morais que muitas vezes acompanham o avançar da idade. Tem um saber enciclopédico que já não existe. Há uma juventude nele, nas suas ideias que admiro. Gosto de o ouvir e sinto que a pouco e pouco há uma cumplicidade que se constrói entre esta escuta activa. Admiro comovidamente a forma como se enfia na sua solidão e como nela procura reencontrar-se com o único grande amor da sua vida, que conheceu a bordo de um navio da imigração em trânsito entre o Brasil e a Argentina. Ele era médico, garboso na sua farda, ela uma universitária paulistana que ía em viagem de finalistas. E logo ali no convés apontou o olhar e esclareceu que queria que ela fosse sua mulher. É com esse amor, que os seus dias actuais se reconfortam. Por vezes fico triste quando o vejo ensiesmado mas há uma luz nessa sua dignidade que me atrapalha o desconcerto e eu fico apenas a saborear este prazer de compartilhar esta visão de um dos seres mais surprendentes que conheci em toda a minha vida.

2 comentários:

@na disse...

Bonito :)

Doramar disse...

Quim como posso eu responder a tanta ternura? Li sozinha, reli com o Simão e ficámos os dois em silêncio, tocados, unidos contigo pelas tuas palavras.