terça-feira, setembro 16, 2008

Quatro mil posts

Ao quarto milhar de posts a minha nostalgia pelos números redondos chamou-me a esta janela. Nenhuma coisa a declarar. Quatro mil posts não significam nada. O nosso mitema das quantidades e dentro delas, o sub-mitema dos números redondos sim, fartam-se de significar. Estou com o Luís: deliciosa blogosfera que ainda nos permite escrever sós. Solidão em comum esta. Hoje vinha pelo caminho, ali à travessa da palmeira, enganei-me, depois de ouvir uma voz feminina, na casa dos seus sessenta anos, voz madura, sentada no degrau do número 13, não sei se vem ao caso, ouvi dizer,
estas raparigas de agora não se dão ao respeito, inserem tudo,
aquele inserir aplicado à situação livrou o dito de desaparecer no limbo do esquecimento, nem olhei para a mulher, não me parecia uma mulher, era uma voz sentada num degrau, olhei para o número da porta, calhou que fosse o treze, e depois ao dobrar da rua, subindo já a calçada do Combro, dei uma volta terrível, assomou-se-me ao pensamento a questão, porque é que as coisas erradas têm tanto vencimento. É uma questão que me preocupa desde sempre. Porque é que nos atrasamos na razão. Se é tão luminosa a percepção da razão porque é que a nossa vida tantas e tantas vezes se assemelha a esse esconso cru, escuro, onde não se avista um palmo à frente do nariz? Não me satisfaz a ideia de que é porque uns estão errados e os outros certos, prontos. Parece-me retórica chunga. Bush estava errado, sabemos. Eu já estive errado reiteradamente. Sabiam os que me envolviam, eu não sabia. Eles diziam-me: tu estás errado. Ora não é no plano da discussão que o erro e o acerto se resolvem. Tem de ser antes ou depois. Quando me diziam que eu estava errado, eu argumentava, e como não era desprovido de razões. geralmente, não sempre, claro, mas geralmente, fortificava-me na minha não razão. É isso, não é uma boa notícia meus amigos: quando discutimos sobre a razão que assiste a uns e outros, geralmente, quer dizer, não sempre mas habitualmente, como o diálogo institui, legitima, sufoca a violência da não proferição, fortalecemos a não razão que habita no mundo. Não tenhamos ilusões: não foi só Bin Laden, todos nós que contra-argumentámos contra Bush, sustentámos e fortificámos a não razão da retórica da sua administração. Uma pior notícia, caríssimos: não podíamos ter deixado de o fazer. O nosso silêncio seria mil vezes mais penoso e fortificante. Se houver alguma esperança para o andar que aqui andarinhamos, só esta, e só a apanhei ali ao Calhariz quando já ía embalado tanto no passo como no pensamento: as ideias erradas têm tanto vencimento porque se nos apresentam como certas, e apresentam-se-nos como certas porque a nossa razão precisa de ser apurada, trabalhada, não escondo, Kant para mim é um lugar superlativo do pensamento. Pode ser que alguns leiam esta ideia como algo triste, desanimador. A mim anima-me saber, por exemplo, que a administração Bush investia nas suas ideias erradas porque as tomava como certas. O que me desanima, tantas vezes, é saber que a máquina de pensar ideias erradas tomando-as como certas continua em laboração contínua, vinte e quatro sobre vinte e quatro.

3 comentários:

Luís Galego disse...

o acaso trouxe-me aqui...e, pelos vistos num post de certa forma especial....percorri o blog....com a certeza fiquei que por aqui vou viajar mais vezes.

Leonor disse...

"Desta solidão em comum" o felicito por um post (não gosto nada desta palavra, mas adiante) que é, em si mesmo, uma grande viagem.
É com receio que vislumbro a continuação dessa máquina de pensar ideias erradas, serão outros os pilotos, mas as ideias serão erradas, ainda assim.
É que a serenidade e a ponderação nem sempre são argumento e muito menos o serão em campanha política, há quem o saiba bem e utilize a violência como regra, sim, a tal violência que dizem ser o argumento dos ignorantes.
Parabéns pelo quarto milhar.
Até breve

CCF disse...

Parabéns Joaquim pelos quatro mil, não só pela quantidade, mas pela qualidade da maioria, para não dizer de todos deles (para não ficares muito vaidoso!)Com alguns deles emocionei-me mesmo muito.
:)
~CC~