quinta-feira, abril 09, 2009

God save the network!

A rede salva-nos! Um dia pensei que era um adicto das redes. Muitas das minhas horas, e as horas da vida de cada um são de uma responsabilidade enorme, estão plasmadas nos circuitos electrónicos, nos écrans de 15 polegadas, nos cabos invizíveis que ligam continentes em milésimos de segundo, nos teclados peganhentos onde se mistura tudo, restos de comida, cinza de cigarro, se calhar, nalguns, até sémen. Pensar na primeira rede em que participei é um exercício de memória tão difícil como tentar remontar aos tempos em que a televisão era a preto e branco. Era a pré-história desta frenesim que tudo liga, os mircs, os grupos, os chats. Eu poderia viver um ano sem fazer nada se me voltassem a dar todo o tempo que gastei a conectar-me. Hoje já consigo perceber que o tempo que passo aqui é um momento paradoxal em que o desejo de me fundir com os outros me afasta deles. E por isso já me é mais fácil fechar o computador e pensar que nada de decisivo perco com isso. Nesse sentido a rede, enquanto fenómeno, não é muito diferente daquela festa que eram as longas noites de Verão na entrada dos nossos prédios, nos Olivais Sul em que as horas se consumiam a contar anedotas, façanhas ou a rirmos com o máximo de alarvidade que nos fosse possível conter numa boca escâncara. E é por não ser muito diferente que é deliciosa, seja lá a modalidade ou o formato com que nos surge. Nunca fui muito fã dos icq, dos H5, dos Plaxos, dos Orkuts. Experimentei, como na juventude experimentávamos qualquer droga que nos chegasse à rua, mas não me cativaram. Detestava a parafernália de adereços, de emoticons, de aplicações que me lentificavam o computador. O messenger sim. O messenger consumiu-me novamente muitas horas. Saber que os meus amigos ou conhecidos estavam online, poder falar com eles, principalmente aqueles que estavam distantes cativou-me durante algum tempo. Lembro-me, a mostrar que estas coisas não têm idade, quem me chamou a atenção para ele foi o Gutkin, numa das viagens que fizémos até aos encontros de teatro de Valência, estas ferramentas permitiam que estivesse ligado aos familiares na Argentina. Nesta aventura até ao centro do deus ex-maquina, tenho alguma dificuldade em perceber o lugar da blogosfera. Antes: a minha aventura no ciberespaço começou com as páginas gratuitas do terravista. Nunca consegui completar a minha e mudei-me para o sapo, mais intuitivo, mais fácil. Tive lá a minha página pessoal e depois a primeira página dedicada à escrita teatral em Portugal, que depois migrei para um domínio próprio, sendo aí que desapareceu por completo. Não sem antes me consumir horas e horas no frontpage, no dreamweaver, no flash, o calvário de um webmaster amador. Quando tomei contacto com a blogosfera, aderi a ela com grande entusiasmo e voltei novamente a perder horas a figurar-me, a desfigurar-me, a configurar-me, a reconfigurar-me. Estava-me - e desde muito novo, talvez desde sempre - na massa do sangue, a virtualidade. Adiciono-me facilmente a esta ideia de aventura que a rede transmite. Não partilho de muitas das criticas - pretensamente - realistas ao virtual. O realismo, enquanto pretensão, é uma seca! Embora, como também escrevi, tenho alguma dificuldade em perceber o lugar da blogosfera na nossa melhor vida. Isso quer dizer que já lhe atribui, nesse campo, uma maior importância. Está por pensar - e a sua constante renovação tecnológica mais dificulta a capacidade de reflectir sobre ela - muito do seu trabalho a favor da manipulação ideológica. Mas seja como for, esta tensão entre a construção identitária através da aventura expressiva individual ou colectiva e a manipulação ideológica é também um factor que qualifica dinamicamente a blogosfera enquanto lugar de re-existência. Re-existir em vez de resistir. A resistência, excepto enquanto lei da física, está fora de moda e é, ela mesma, um produto de contrabando ideológico em desuso. Resistimos sempre contra qualquer coisa. Contra o pai, contra a mãe, contra o filho, contra o espírito santo ou a santíssima trindade. O mito da resistência foi substituido pelo paradigma da re-existência. Eu JPN, eu Joaquim, eu Joaquim Paulo Nogueira, eu jpnogueira, para não falar da saraivada de nicks que uma existência mais recatada e íntima na net já me possibilitou usufruir. É por isso que acolho com um entusiasmo juvenil a minha entrada no facebook. Tudo começou com um jantar de turma, um desafio para entrar nesta comunidade. De repente os dispositivos técnicos do facebook a trabalharem por mim, a irem buscar contactos, a sugerirem outros. A certa altura apercebo-me que junto nesta aplicação estão muitas pessoas com quem me cruzei de modo diferenciado ao longo da minha vida, uns mais protegidos pelo anonimato, outros nem por isso. Não são amigos no sentido literal do termo, são amigos do facebook. Pessoas que cumprimento na rua, ou com quem me cruzei numa associação, numa escola, num trabalho, num seminário, num outro país, num espectáculo, num jantar, num programa de televisão, numa outra cidade, num outro lugar, não interessa. São os meus amigos facebook. É com algum entusiasmo que recebo a notificação de que fulano de tal confimou-te como teu amigo, ou sicrana adicionou-te como tua amiga. Perco algum tempo inicialmente a organizar os meus contactos, confiante de que vou perder muito menos tempo nos outros interfaces. Uma das coisas que me agrada é que o facebook conta uma história de relacionamento interpessoal que amadureceu. Começámos com os nicks e regressámos agora aos nossos nomes. Tenho amigos do facebook muito frenéticos. Outros como eu a única coisa que vão fazendo, para além de ir tomando as medidas a esta nova ferramenta de comunicação, é escreverem algumas coisas no seu mural. Resisto à ideia de colocar pessoas que nunca conheci, ou com os quais nunca falei ou troquei uma empatia, virtual ou não. Acho divertido que José Manuel Fernandes tenha existência no facebook mas não estou ainda preparado para o adicionar. No outro dia adicionei o Rui Marques porque estava no facebook de uma amiga e pensei que se tratava de outra pessoa e ainda não tive coragem para o desactivar. Diverte-me ver as teias que se estabelecem entre pessoas que conheci em alturas muito diferentes. É claro que não espero resolver nenhum problema existencial ou de solidão através do facebook mas agrada-me saber que as pessoas com quem me fui cruzando, existem ainda, que não se desvaneceram nesta fantasmagoria em que muitas vezes se torna a vida nas grandes cidades. Por outro lado o blogue não resolvia o problema de muitas pessoas que viam nos posts uma barreira à sua inclusão na aventura da identidade e da expressão. O blogue foi tomado por pessoas como eu, antigos escritores frustados pelos esquemas muito apertados da edição, que de repente ganharam espaço de publicação dos seus textos. Já houve algumas pessoas que a partir desta aventura me quiseram porporcionar outras plataformas de escrita. Acho sempre que isso é interessante mas não me parece importante. O romantismo da relação com o papel mistura-se com o pretensiosismo da nossa relação com a imortalidade e isso não augura nada de bom quer ao romantismo, quer à nossa imortalidade. Estou bem nos blogues, estou bem por aqui onde posso (ter a ilusão de ) escrever o que quiser, no tamanho que quiser. Mas o blogue que tanto me satisfaz queria alguns problemas. Há milhões de pessoas sedentas de chegar à sociedade da comunicação que se querem ter como sujeitos da enunciação, não apenas como receptores. A própria sociedade da comunicação não pode esperar pela leitura de um pastel de cinco mil caracteres ou mais para saber o que há-de pensar. Por exemplo, daí ao twitter, que não me fascina nada, é um passo. É o mistério da rede. O que é que estás a fazer agora? O que é que estás a pensar agora? Talvez isto seja uma redução da nossa vida. E provavelmente nós que lidamos mal com os fantasmas que fomos deixando pelas nossas cidades fechadas à comunicação exultamos, sem perceber que a ligação pode também levar-nos a novas fantasmagorias. O mito da ligação, por exemplo. O mito da omnipresença que roubámos dos deuses quando eles, no Olimpo, se entretinham com frivolidades. A forma como a rede se dá ao luxo de absorver e manipular um conceito, como o da amizade, que nos demorou tanto tempo a aprofundar e a maturar, deverá, pelo menos, inquietarmo-nos. A rede salva-nos. God save the network!

1 comentário:

Helena (em stª Apolónia) disse...

No FB só tenho amigos que são amigos, mais ou menos intímos.

Outro dia escrevi lá sobre essa mesma sensação, de vos ter todos ali, feitos de tempos tão distintos, e ter a vaga sensação de que alguns de vocês se deveriam ter encontrado na vida.Que poderia perverter tudo e misturar os tempos... (até tive uma ideia com esta ideia!)

Confesso: foi mesmo em ti que esta ideia me ocorreu. Porque achei que deverias, na vida, ter conhecido a Margarida Lima e o Diogo Cabrita. Ambos de Coimbra. Ela, ligada de formas que não te sei precisar,ao teatro.Ele, médico, ligado a tudo. À escrita, à produção de bandas, etc

Esse lado do FB é gostoso. Para além da facilidade enganadora de retomar contactos antiogos.