Por uma daquelas sortes do meu trabalho, vi-me dentro daquela sala da Escola António da Costa, com o grupo de teatro da Universidade Sénior de Almada, projecto dirigido pela Helena Peixinho (mais uma sorte, esta da minha vida e já com quase vinte anos, a de ser seu amigo) que irá ser um dos grupos a fazer acompanhamento criativo do espectáculo "D. Quixote", pelo Bando, a partir da peça de António José da Silva. Foi o primeiro encontro, com dois elementos do Bando encarregues de dinamizar esta proposta original. Trata-se de criar um vínculo com um determinado grupo que se constitui como um observador privilegiado do seu processo de trabalho, assistindo a ensaios, falando com criadores, dando a sua opinião. Hoje iremos até Vale dos Barris com o Refugiacto, na semana passada estivemos no Passos de Manuel e anteontem foi a fez do teatro sénior. Este contacto com o seniores, pelo testemunho de vida, de vontade e entusiasmo, provocou-nos a todos uma profunda impressão. Quando começámos a conversar sobre a época da (curta) vida de António José da Silva, uma palavra se impôs: a Inquisição. O forma como o acto inquisitório era lançado. Bastava uma denúncia, uma denúncia anónima, sem nenhuma prova, e sabemos, muitas delas eram movidas pelo interesse em eliminar concorrentes em negócio. Feita esta, lançado o procedimento inquisitorial, era o acusado que iria alimentar a sua própria fogueira, no sentido em que tudo aquilo que iria responder, iria servir para construir o fundamental do processo. Quando estamos a falar disto automaticamente começa a vibrar em mim um ressoador, levando-me até aos dias de hoje. Estamos tão próximos, nisto, dos tempos da inquisição, ou, melhor, estão tão próximos, nisto, os comportamentos fundadores do auto-de-fé. Já não há o cheiro a carne humana queimada mas ainda existe o júbilo da praça em delírio diante da condenação à morte de um relaxado.
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