Um mês quase sem escrever, quase que me pergunto, esta ainda é a minha casa? Outras escritas, outras realidades. Saberei ainda escrever em blogues? E isso interessará para alguma coisa, escrever em blogues. Acabei agora a criação de personagens na Escola Superior de Enfermagem. Quando olho para isso, para estes últimos dezoito anos, para as personagens que vão ficando nas paredes, neles, fico com uma sensação inabitual em mim: a de permanência. Sou mau a permanecer, sempre fui mau a permanecer. Nas relações, nos trabalhos, nos projectos. Fossem ou não a feijões. Ainda no outro dia estava a ver alguns amigos que entretanto se preparam para a reforma, comecei a fazer as contas ao tempo em que estou no meu actual trabalho, catorze anos, e quase que me assustei. É claro que tenho variado muito de sitio, até de actividade, mas catorze anos a ver as mesmas caras, as mesmas histórias, mesmo assumindo que eu já não sou quem era, é um limite arriscado para mim. O trabalho sobre a criação de personagens é algo que me pacifica com a minha própria instabilidade. Afinal, naquilo que interessa, talvez saiba permanecer. Chegou a hora de reflectir mais profundamente sobre esta experiência que é cada vez menos um caminho solitário. Há dezoito anos, em 1992, eu corria da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas onde era aluno, para a Escola de Enfermagem Calouste Gulbenkian, onde era professor e tinha apenas como companheiros mais directos desta aventura a Arlete Abreu (que me convidara) e o Pisco, o Rui Pisco da Máscara Teatro Grupo. As únicas actividades expressivas que havia eram as nossas disciplinas, muito centradas no teatro e na animação sócio-cultural e apenas nesta Escola, fruto da teimosia e da lucidez da Arlete. Hoje a Escola de Enfermagem de Lisboa integra quatro antigas Escolas de Enfermagem e tem na sua oferta pedagógica, opções nas áreas da dança, da plástica, do teatro, do cinema e da animação cultural. Ao longo de dezoito anos também tenho podido clarificar aquilo que posso fazer. Disfarçamo-nos de professores e alunos mas temos de ser um pouco mais do que esse papel que ocupamos na cadeia de transmissão de saberes. Eles não são actores, são enfermeiros, e estão ali porque cuidam de si mesmos, das suas pessoas, do que são enquanto pessoas e aproveitam o curso, as possibilidades que ele lhes oferece, para fazerem um puzzle. Eu também não sou actor ( não serei? começo a duvidar! Acho que nunca o deixamos de ser, por mais que nos reservemos nos palcos que utilizamos para nos expressar), nem em enfermeiro, mas sei o potencial especulativo que o fazer teatral tem, como motor de conhecimento. Organizamos experiências que vão desde a "observação participante" à experimentação com o corpo, com os sentidos, com a voz. Há coisas que o nosso corpo sabe de nós que nós desconhecemos. E é um privilégio assistir assim à magia da revelação. À partilha da reflexão.
2 comentários:
A magia pelos blogues é bem mais pequena e difícil de acontecer, mas ainda assim é bom te ler, e reconhecer o que dizes sobre essas salas onde deixamos falar os corpos, a pele.
~CC~
A blogadeira em excesso é pior que diarreia, esvazia, transformam as pessoas em zombies. Tudo o que é virtual é destituído de alma.
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