Hoje pela manhã, no edificio B do Campus da Justiça, começou o julgamento de Carlos Fragateiro, José Manuel Castanheira e Margarida Fonseca Santos, por crime de difamação e ofensa da honra de pessoa falecida, o antigo director da PIDE, Silva Pais. Ouvidos nesta manhã, que se prolongou pelo princípio da tarde, Carlos Fragateiro e José Manuel Castanheira. Fui lá como dramaturgo, desde o princípio que senti que era o direito de ficcionar que era posto em causa por esta exigência de bom nome, e nesse sentido também me sinto arguido do processo, saí de lá como investigador sobre a dramaturgia portuguesa contemporânea.
E quem me atirou para esse estado foi a advogada da acusação quando perguntou a José Manuel Castanheira se ele compreendia o estado de afectação em que teriam ficado os familiares de Silva Pais ao verem-no retratado de uma forma que consideravam tão abusiva da imagem que guardavam do seu tio. Ao que Castanheira respondeu que poderia calcular isso, embora isso não fosse aquilo que era importante já que estávamos diante de uma personagem de ficção. Aliás contou que da mesma forma tinha ouvido queixas de muitas pessoas que tinham sofrido com a PIDE, já que sentiam que o retrato de Silva Pais estava muito suavizado. E isto é muito importante já que nunca compreendi porque é que os sobrinhos de Silva Pais se atiraram a um texto ficcional quando este foi baseado numa investigação de dois jornalistas que nunca foi posta em causa por estes familiares. Da mesma forma a associação de Silva Pais ao assassinato do General Humberto Delgado não é espúria e já foi muitas vezes veiculada na comunicação social. Tenho de reconhecer que não deve ser fácil, num Portugal que derrubou o regime político que a PIDE tão ciosamente guardava, ser sobrinho de Silva Pais mas isso não justifia a incongruência de se terem atirado à única versão que é assumidamente uma ficção. Lembre-se, como o recordaram Fragateiro e Castanheira, que o espectáculo começa logo com um baile em que Silva Pais e o Che dansam, episódio que como é óbvio, nunca aconteceu e marca assumidamente o território ficcional em que se desenrola aquela aventura teatral. É que o teatro tem essa força, essa capacidade de nos trazer a vida como se ela estivesse a acontecer de facto. Ele não é mas é-o com mais intensidade do que todos os livros de investigação histórica onde Silva Pais é responsabilizado pela morte do General Sem Medo, independentemente de não ter sido formalmente condenado. Sem uma cultura teatral para perceberem o protocolo ficcional, deixaram-se arrastar pela catárse de verem em cena o seu próprio tio. O que me levou para um outro aspecto. A representação do papel do dramaturgo junto não só dos sobrinhos, como da advogada que os representou e do próprio juíz que aceitou o julgamento (honra ao Ministério Público que recusou ser assistente), deixando-me antever que ela pode ser muito mais comum. Para estes a autora ( e eles só viram o texto de ensaios já que nunca foi publicado) é a responsável máxima por aquilo que eles viram em cima do palco e nunca lhes passou pela cabeça co-responsabilizarem a encenadora e o actor que protagonizou a cena que os indignou (uma em que o personagem que tem mais correspondências com Silva dá a entender que é preciso abafar o general). Ora a forma como o actor encheu aquele "Abafe-se o general!", também ajudou a criar a ilusão cénica.
O julgamento recomeça dia 12, desta vez para ouvir Margarida Fonseca Santos.
4 comentários:
Muito bem contado, Joaquim, excelente. E é verdade - estamos todos no banco dos réus. E estarei a representar todos os que sofreram nas mãos da PIDE.
Um grande beijinho
mas que história rebuscada, Quim! Há uma justiça/justeza a falhar nesta conversa. Só espero que o desfecho seja digno e que tudo isto não venha a dar azo a tentações outras. Continua a dar conta do que lá se passa. Abraço de cá
Ó Joaquim uma correção, o MP não pode ser Assistente, apenas acompanha , ou não, a acusação! Neste caso parece que bem, não acompanhou!
Ora cá está uma coisa que eu gostava de ter feito caso tivesse podido lá estar: relatar o que se passou. Joaquim, Bravo! Conte-nos o que se vai passar a 12 com a Margarida. É fundamental que se faça ouvir esta história aos 4 cantos.
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