segunda-feira, dezembro 11, 2006

O lugar da política

Quando já tivermos discutido tudo de importante sobre o referendo, poderemos ainda discutir esta maior importância : o que vamos votar é mesmo matéria que deveria ser referendada ou o problema poderia, e deveria, ser resolvido através de uma intervenção legislativa da Assembleia da República?
Para muitos esta será uma questão de resposta múltipla. O tema parece ser fracturante e que, assim sendo, ao ser decidido por uma maioria, robsutecerá o caminho a seguir. E nem me refiro ao facto de poder ser muito mais cómodo para o governo que ele não tenha que tomar a iniciativa na resolução de um problema que divide tão emocionalmente as pessoas. Tenho a esperança de que a maioria politica saída das últimas eleições, não tenha, na decisão que tomou, privilegiado a sua sobrevivência política. Não é esta a minha opinião. Legislar sobre a interrupção voluntária da gravidez só poderá ser entendido como um tema fracturante, se o virmos sob o ponto de vista que a Igreja tem defendido. Deve-se acrescentar que à Igreja Católica interessa que assim seja; o seu poder declinante na sociedade de hoje tem aqui um momento de reacentuação. Por mais que os partidos se envolvam neste diferendo, o que fica é a ideia de que ele é uma questão entre os movimentos católicos e a esquerda. Mas se analisarmos melhor, o tema da interrupção voluntária da gravidez é quase tão fracturante como a introdução do preservativo como instrumento essencial da doutrina oficial de prevenção das doenças sexualmente transmissíveis. Ora da mesma forma que com a introdução do preservativo na prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, o Estado assume a sua função politica de cuidar dos vivos, também na interrupção voluntária da gravidez, o Estado deveria assegurar que nem mais uma mulher pudesse morrer por falta de assistência na intervenção abortiva. Porque independentemente das discussões de natureza filosófica, o que sabemos é que muitas mulheres irão morrer por falta de uma intervenção feita em condições médicas satisfatórias. Ora o Estado não pode estar refém de um referendo para as protejer.

4 comentários:

IPQ disse...

Exactamente! Não poda estar mais de acordo com a posição que defendes no teu texto.

Anónimo disse...

Embora concorde com muito do que foi escrito, não me parece que esta seja uma questão da Igreja, nem me parece ainda que caiba ao Estado, no caso do sim ganhar, em financiar a interrupção voluntária da gravidez, porque ao fim e ao cabo não se trata de uma doença a merecer "tratamento" e apoio dos contribuintes. A legalização não implica financiamento!

JPN disse...

Duas questões, Cadeira do Poder:
1. Eu também penso não ser uma questão da Igreja. Mas o papel da Igreja Católica neste assunto é por demais explicíto para ser escamoteado. Não só na forma actual que ele tem, também na influência que teve no percurso que se foi criando na nossa sociedade desde há cerca de trinta anos, quando estas questões apareceram pela primeira vez. A acção da Igreja passa agora menos pelo púlpito e mais pelos movimentos de cidadãos, mas são ainda e sempre os mesmos dogmas, os mesmos pressupostos, a mesma vontade de influenciar a vida da comunidade que vive fora da sua confissão religiosa e, perdoem-me, a mesma demagogia.
2. Eu não disse que o Estado devia financiar a interrupção voluntária da gravidez. Disse : "o Estado deveria assegurar que nem mais uma mulher pudesse morrer por falta de assistência na intervenção abortiva". De facto, como refere, legalização não implica financiamento. Embora, também não a exclua. E por outro lado, há muitas intervenções médicas asseguradas pelo Estado, desde a estética até à mudança de sexo que não são doenças e que, com diferentes graus de financiamento, são suportadas pelos contribuintes. Confio que as políticas públicas de saúde saberão encontrar o melhor enquadramento para esta intervenção. Não sabendo no entanto - mas desconhecendo tudo sobre o sistema de comparticipações para opinar assim - porque razão é que esta intervenção não deva ser comparticipada.

cbs disse...

sou extremamente reticente nesta questão.
Da outra vez votei não.
Desta vez vou votar sim.
Tenho várias razões para isso, mas uma muito forte é que realmente existe um problema grave de saúde pública, e nada, nada mudou desde o ultimo referendo como pretendiam as gentes do sim.
Aqui há tempos o doutor Polido Valente escrevia que o problema era menor, uma vez que existe a pílula do dia seguinte (e coisas quejandas), mas ele deve viver noutro sítio diferente do meu.
De facto, impressiona-me que ainda hoje, numa universidade continuem a acontecer várias situações de gravidez indesejada numa população teoricamente informada.