quinta-feira, dezembro 28, 2006

Problemas: Indicações e Resoluções

Estavámos em 1954, na Escola do Bairro Delegado do Operário, em Évora. A educação pressupunha, e bem, que para um determinado problema havia de, no lado esquerdo do quadro negro de ardósia, escrever-se a indicação, e, do lado direito, a resolução. O problema era simples (*). A Fernanda tinha comprado duas dúzias de ovos a 10 centavos cada um e pretendia-se saber quanto tinha ela gasto na compra dos ovos.
Tudo estava ordenado. No lado esquerdo a indicação. No lado direito a resolução. No centro, no meio, no lugar da virtude, o crucifixo. As batas eram brancas, a da professora, minha mãe, e a dos alunos. As secretárias de madeira tinham um espaço para o tinteiro, outro para os lápis. Uma prateleira em baixo do tampo onde escrevíamos permitia guardar as pastas e os cadernos. No cimo do quadro, o crucifixo. Talvez não vísivel, a foto de Craveiro Lopes. O mapa do corpo humano. O mapa de Portugal e o mapa colonial.
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(*)Os outros problemas, não seriam tão simples. Muitos deles ainda subsistem. Eu parece-me que sim. Ainda no outro dia, era dia de Natal, vi o Cardeal Patriarca falar na sua mensagem de Natal e fazer abertamente campanha pelo não no referendo do aborto. Haverá gente que dirá, mas que poderia ele fazer de diferente? È um problema dele, não meu. O meu problema é que o regime democrático tenha dado um canal à Igreja, que se desfez dele deixando que ele fosse alienado para uma finalidade muito diferente daquela que tinha originado a sua concessão, e que agora eu tenha novamente o Cardeal Patriarca, na televisão pública, como se nós fossemos ainda aquele país que punha os crucifixos no centro do problema.

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