quarta-feira, maio 02, 2007

1º de Maio

Ontem peguei na bicicleta e fui até à Alameda. Segui depois para Alvalade, apanhando o cortejo do Oprecariado ali ao pé da estação do Areeiro. Reconheci uns amigos e lá fui em marcha lenta, ao som de palavras de ordem como "País Precário/Sai do Armário", ou "Movimento Flexi", glossando a coreografia muito em voga nos espaços disco do "movimento sexy". O oprecariado era sem dúvida a zona mais criativa e mais imaginativa deste passeio de 1º de Maio. Senti-me solidário com eles, eu que só sou precário quando escrevo e já escrevo tão pouco! Encontrei também rostos que já não via há mais de vinte anos, uns, de dez anos outros, os mesmos abraços de circunstância, mas cada vez mais frios, mais passos em falso, vazios. A certa altura tive vontade de ir embora, aquele cortejo não me parecia de vida, os jovens estavam vivos, os seus slogans também, mas havia ali um cheiro inexplicável àquele bafio do tempo. Há coisas que não são para explicar. Podemos partilhá-las assim em bruto, com quem se oferece assim ao entendimento, mas os seus significados escapam-se por entre os dedos explicativos. Depois do cortejo chegar à Cidade Universitária foi a vez de falar Carvalho da Silva. Tenho-o como um homem honesto, íntegro, de ideais e por vezes, na tv, gosto de o ver quando colocado junto a uma paleta de políticos descarnados, desmemoriados. Faz figura. Mas ali à frente de não sei se um milhar de pessoas, a falar para o vazio como se aquela grande alameda estivesse repleta de espíritos e corpos vibrantes, parecia um daqueles tesouros deprimentes dos Gatos Fedorentos. Tudo no que dizia era velho, gasto, sem força. A única sombra de luminosidade que passou pelo seu discurso foi quando reconheceu que os trabalhadores estão desmotivados com o movimento sindical e que não lhe darão muito mais oportunidades do que a próxima greve geral. O momento a seguir foi patético. Uma outra voz veio dizer que depois do camarada Carvalho da Silva ter falado já nada havia para dizer mas que havia ainda uma moção de apoio à Greve Geral para votar, leu-a, e depois perguntou, alguém se opôe?, ouviram-se uns gritos, uns hurros e umas palmas, e logo, célere, expedita, a conclusão, a moção foi aprovada. Sorri. Há muito que tudo isto não me entristece. Já nem significa. A marcha da exploração do ser humano por outros seres humanos está, como sempre esteve, aí. E parece imparável, quando vista pela perspectiva destes movimentos de contenção do capitalismo, como o movimento sindical, que o Séc. XX exacerbou. Porque o grande problema, e a grande oportunidade, é que já não é pelo dizer que libertamos a nossa vida. É pelo fazer. A exploração do proletariado urbano ou rural, agrícola ou industrial pelos grandes detentores do capital poderia ser um título para uma fascinante viagem no tempo, mas já não nos ajuda a perceber as formas actuais de exploração do ser humano pelo ser humano. Os mitos da propriedade já eram. A propriedade só existe enquanto possibilidade de sobre ela se construir um determinado discurso de sedução. As dinâmicas do consumo são muito mais fortes porque fornecem um padrão universal de catárse e de libertação do sujeito. É na tentação autofágica das grandes classes médias do mundo que podemos encontrar uma das principais explicações para o sofrimento social contemporâneo.
------
Foto do Absorto

1 comentário:

CCF disse...

Gostei bastante desta análise.O mundo mudou sem dúvida as suas formas de exploração. Este desejo de compreender mais conduziu-me via academia até às políticas públicas. Mas por vezes a vontade de fechar os livros é muito forte, acontece-me querer pegar assim como tu na bicicleta e percorrer caminhos uns e outros só a ver como são as coisas. E para ver devagar a bicicleta é mesmo o melhor.
~CC~