sábado, julho 14, 2007
Jardins de Lisboa
Trouxe o portátil para o jardim. Não consigo encontrar uma rede amigável. Quando me preparo para ir embora encontro um espanhol. Está cheio de pressa. Tem uma panela de arroz ao lume, confessa-me. Não é preciso fazer nada, diz, é só ligar. Sento-me ao lado dele. Talvez seja do lugar. Catrapisco o que ele veio fazer, assim, cheio de pressa. Veio ver um site de apostas múltiplas. Entre o arroz e a sua cozedura veio ver se lhe tinha saído a sorte grande. Gosto deste saber dos outros por imaginar o que está dentro deles. O sitio onde escrevo não é o mais confortável. Tenho o portátil em cima das pernas. Não há outro lugar. Nas mesas os velhotes jogam às cartas. Ainda pensei em ir para o coreto. Também não. Está cheio. Sentei-me num banco de jardim ao pé desta grande árvore. Gosto do tempo nos bairros antigos de Lisboa. Gosto da vida nos bairros antigos de Lisboa. Já gostava dela, há muitos anos, antes de haver Lisboa, ou quando ela era apenas uma miragem. Gosto do gosto, de gostar, de querer, da querença. Gosto da pele. Amo a pele. Eu nunca sinto a minha pele quando estou sozinho. Só quando a encosto a outra pele. A pele de um outro devolve-me a consciência de ser pele e esta, atira-me para a noção de que existo dentro de mim. Suporto a solidão como um interlúdio. Nada desta vida tem sentido senão for este negócio de uma pele se reconhecer numa outra pele. Um dia talvez alguém venha de fora dizer-me que enlouqueci. Que deveria ter cuidado de mim enquanto estava só, de que deveria ter murmurado frases-chave, ideias-fortes, slogans da politica do eu. Não sei. Há pessoas que estremecem por saber que todo o modo como vivemos, desde a maneira como vivemos com os outros até à forma como nos entretemos como estamos sós, poderia ser de outro modo. Ficam instáveis, irritadiças. Eu não. Aceito o jogo com crescente ludicidade. A tranquilidade vem-me da respiração, não do pensamento.
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2 comentários:
Cuidado é com os cocós dos pombos no teclado:).Vista-lhe uma pele.
Fabuloso... :)
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