sexta-feira, julho 13, 2007

A rapariga do violoncelo

Estava sentada no Vertigo. Ela almoçava. Deveria ter uns vinte, vinte e um anos. Tinha os gestos tímidos, redondos. O cabelo cor de cenoura. Borbulhas na face. Almoçava, enfiada em si. Era bem a imagem de todas aquelas pessoas que comem sós. Olhei-a só de relance e pensei, ela terá a mesma falta de prazer em almoçar do que eu, quando o faço sozinho? Tinha um livro sobre a mesa. Não foi nela que eu reparei em primeiro lugar. Foi num rapaz. Tinha também os seus vinte, vinte e um anos. Sentou-se na mesa que estava disponível, ao lado dela. Barba de adolescente, ar descontraído, livro na mão. Senta-se, começa a ler. Só reparei na sua figura porque tentei ver nele os meus próprios vinte anos. Como qualquer voyaeur, daqui a nada já estava a olhar para outras pessoas. Um par de raparigas que tinham entrado. Também com vinte e poucos anos. E aquele ar comovente de quem leva muito a sério a vida que tem para viver. O Vertigo, só depois reparei, é para gente assim. Gente afirmativa, bonita, cheirosa, réplicas dos seus ídolos e tudo isso, com ar negligé. Já estava entretido com o jogo de sedução que mais gosto de fazer no Vertigo, o do olhar, quando me dou conta de que o rapaz já está a desenvolver uma intensa conversa com a rapariga. É aí que me apercebo que sou a única pessoa que tenho de me entreter comigo mesmo enquanto como. Ele está entusiasmado. Ela incentiva-o embora seja o rapaz que conduz a conversa. E assim continuam até que ela se levanta para ir pagar. Vai ao balcão e quando volta pega nas suas coisas e nem um olhar lhe lançou. Ele seguiu-a com o olhar até à porta, aguentou mesmo um pouco mais, deixou-a sair. Só depois baixou os olhos. Não sei quem estava mais desiludido, se ele, se eu.

4 comentários:

na prise és bestial disse...

tu, com certeza.

CCF disse...

Talvez fizesse o mesmo que a rapariga...mas se me tivesse prendido alguma coisa nele, voltava lá uma e mais vezes.
~CC~

vague disse...

simplesmente um :)

Anónimo disse...

Eu teria ficado desiludida, gosto de coisas que ganham asas a partir de um aparente nada. Adoro ir jantar ao Vertigo :) Beijos.