quinta-feira, julho 12, 2007

Partidarização da administração pública - O argumento de Vital

Vital Moreira escreve sobre a partidarização da administração pública, denunciando o farisaísmo e confusão que grassa na oposição, na medida em que confundem " deliberadamente o preenchimento de cargos directivos, em regra de livre nomeação, e o recrutamento para os serviços da Administração pública, que se deve pautar constitucionalmente por critérios de imparcialidade e igualdade".
É que, no entender de Vital Moreira, " no que respeita aos primeiros (normalmente ocupados em regime de requisição temporária), é perfeitamente lícito e natural que o factor da confiança política entre nos critérios de escolha, desde logo porque se trata de cargos de que depende a boa execução das políticas governamentais (desde o presidente de um instituto público a um director regional). Isto vale para todos os governos e para todas as instâncias de poder."
Antes de avançar na crítica a Vital Moreira, devo dizer que subscrevo a acusação de farisaísmo e de confusão que grassa naquela oposição que tem uma cultura e prática de poder, como decorre aliás do meu post anterior, "ao serviço da República".
Também, subscreveria o reconhecimento de que o Governo de José Sócrates é o que menos tem feito para partidarizar a Administração Pública. E tem-no feito de duas maneiras, escapando um pouco à esquizofrenia política de anteriores executivos, sejam do PS ou do PSD: em primeiro lugar levando muito a peito a reforma da administração pública. Em segundo lugar resistindo a mudar as chefias dos organismos públicos que são de nomeação e confiança política. Sei do que falo. Trabalho num Instituto público onde a dupla Portas-Bagão para mudar a direcção do Instituto fez um dos processos políticos mais vergonhosos que pude conhecer depois da época do gonçalvismo. E eu que não sou de guardar tristezas na pasta memória, ainda não arquivei tudo o que vivi sobre esse período porque tenho esperança de poder ainda assistir em vida à desmontagem cabal desse ardil político. Aliás, nem seria preciso este argumento: bastaria verificar pelas notícias de jornais que o tema "jobs for de boys", já nem figura nas últimas tabelas do top político.
Era necessário este esclarecimento. A partidarização da administração pública é um tema que afecta os principais partidos e considero que o actual executivo é dos que mais legitimidade tem para avocar a si a causa da reforma da administração pública.
O argumento de Vital Moreira está correcto do ponto de vista formal mas é uma aberração do ponto de vista político, porque se sustenta - incentivando - o mais limitado conceito de "confiança política". Ora o que importa discutir, quando se fala dos lugares de confiança política, não é isso, é o próprio conceito de "confiança política".
Lembro-me do que escrevi aqui em relação à substituição de António Lagarto por Carlos Fragateiro, na direcção do Teatro D. Maria II. Tomando como boa, para a formulação do exemplo, a versão ministerial, tendo sido o primeiro confrontado pela tutela com determinados objectivos e necessidade de apresentar medidas e planos concretos, e não o tendo feito, esta entendeu substitui-lo. Tomando como certo que foi isto que aconteceu, tenho para mim que esta actuação é legítima e correcta do ponto de vista político. Os detentores da tutela têm um determinado programa político e vão ser julgados por ele, por isso têm legitimidade para exigir que os lugares de execução dessas políticas tenham pessoas capazes de o compreender e de implementar. Nem precisariam de ter sujeitado o anterior director à demanda de saberem se ele queria ou não queria, sabia ou não sabia, ser executor desse programa. Se o fizeram só robusteceram politicamente a decisão posteriormente tomada de o demitirem, mas não seriam, formalmente, obrigados a isso.
A ideia de "confiança política" não é autónoma da de "implementação de um determinado programa político". Ora sabendo nós que o processo de arregimentação política nem sempre valoriza o conhecimento, a qualificação e a tecnicidade, antes muitas vezes os substitui pela obediência a um grupo ou liderança, a ideia de "confiança política" é empobrecida por significar apenas, pertença a um determinado grupo político. É que a perversão da política - e uma perversão que afecta o funcionamento da administração pública - é essa: o conceito de "confiança política" surge para permitir que os executivos, nos seus diferentes níveis, possam imprimir programas que mais cabalmente os responsabilizem politicamente diante de quem os elegeu - e ele é portanto um composto que implica a sintonia com o programa político, mas também da competência, da capacidade de gestão e da tecnicidade necessárias para melhor o implementar - e, de corruptela em corruptela, ela transforma-se exclusivamente na pertença a uma determinada família política. Ou seja, ela permite que aquilo que foi interiorizado numa determinada praxis política para suportar a realização de um determinado programa político, acaba por ser uma condição que viabiliza o alinhamento político sem programa. Ora quando assim é, fácil se deixa ver a subalternização da execução política a uma obediência de natureza partidária. Se aquilo que une politicamente um determinado nível de execução política é a coloração partidária, então também é expectável que a principal coisa que lhes possa ser exigida é a manutenção do poder nessa mesma cor política.
É neste exacto ponto que o argumento de Vital Moreira, ao contrário daquilo que nos vem habituando, é uma aberração do ponto de vista político.

4 comentários:

Anónimo disse...

O problema das "nomeações" é estas assentarem, por definição, em relações assimétricas de poder. O mais forte (nomeador/protector) mesmo necessitando do mais fraco (executor/protegido) tem, em última análise, a possibilidade de dispensar/despedir, o segundo. Mas a espiral do proteccionismo - como sabes tão bem como eu - não termina aí. Daí a tal história do tal Instituto de que falas. Há sempre alguém mais forte do que o (aparentemente) mais forte...
Seria bem melhor adoptarem o "sistema americano", onde as "nomeações" fazem parte da cultura nacional e são à partida definidas pelos partidos que alternam no poder. Dessa forma, não haveria acusações, nem lesados. Sabia-se quem "saía" e "entrava" e ao fim de quanto tempo.

JPN disse...

Acho que não consegui explicar (ou não o compreendeste) o principal do meu argumento, Rui. O que há a mudar, quanto a mim, não é a integração das nomeações políticas numa rotatividade assimilada na cultura politica local. O que há a mudar para mim é a cultura política que promove um conceito de "confiança política" tão redutor como aquele que na grande generalidade grassa por aí.

Anónimo disse...

Compreendi muito bem. Só que o conceito de "confiança política" é, com bem sabes, subjectivo e aleatório. Pode "confiar-se" cegamente numa pessoa medíocre e "desconfiar-se" sempre de uma pessoa competente. Há sempre argumentos para nomear/exonerar o subordinado: seja porque (não) inspira "confiança política", seja porque (não) é "competente". O mal da política "à portuguesa" é que "nós" misturamos tudo: profissionalismo e amizade (trabalho e conhaque!). Não existe em Portugal o equivalente do "public servant" britânico, que serve o estado, independentemente do governo no poder. A manutenção de pessoas competentes no aparelho de estado, permite a continuidade de (bons) serviços de estado. Ainda não estamos aí. Numa democracia sem grandes tradições, como a portuguesa, um regime de maioria absoluta (como o actual) é fatal para a democracia. Os exemplos abundam. Em "politiquês" chama-se "confiança política". Em antropologia, "patrocinato". Em inglês técnico, "patronage relationships"...

someothertime disse...

patati-patata...

que dizer de um certo escritório de advogados onde pontificavam vera jardim, castro caldas e jorge sampaio...

Vejamos a sua composição junior:

o sobrinho do sampaio, o filho do procurador-geral, o filho do vital moreira, o inventor do "não pagamos" (o PS em grande forma a contestar o que recusa contestar agora) e mais outros que já não me lembro porque já lá vai mais de 15 anos...

mas, isso é um escritório privado, dizem vocês, pois, digo eu, mas e os cargos extras que tais figuras ocupavam? e porquê essa concentração familiar?

que esperar desse moreira, desse grupo ps?

parafraseando o mário lino : rien, rien, rien...