quinta-feira, outubro 23, 2008

A Cultura perdeu o estatuto político (ou o mistério dos seis milhões de euros)

"Lisboa, 15 Out (Lusa) - O ministro da Cultura disse hoje que o seu ministério "cresce pouco, mas cresce alguma coisa" em termos de Orçamento de Estado para 2009, com uma "variação positiva de 0,4 por cento".
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O ministro indicou que apesar da estimativa de execução orçamental apresentar para este ano uma despesa do Ministério da Cultura de 217,7 milhões de euros e da despesa prevista para 2009 ser de 212,6 milhões de euros (uma variação com um decréscimo de 2,3 por cento), o orçamento inicial do ministério da cultura para este ano era da ordem dos 211 milhões de euros e portanto há uma variação positiva de 0,4 por cento.
Na explicação do ministro, a diferença de seis milhões de euros entre o orçamento inicial de 2008 e a estimativa de execução deve-se aos reforços concedidos pelo Ministério das Finanças.
"O ministro das Finanças permitiu-nos reforços durante o ano de 2008 em função de executarmos tudo rigorosamente", disse Pinto Ribeiro, apontando algumas alterações em relação ao que acontecia no passado.
"O ano passado houve um afogadilho, coisas que levaram a que o orçamento não fosse feito com grande rigor e com grande perfeição", criticou.
(.../...) "Para o ministro, a leitura dos números "não é evidente, nem fácil, mas houve uma variação mínima positiva".
Pinto Ribeiro afirmou ainda que no próximo ano o Ministério da Cultura vai contar pela primeira vez com um montante de 3,5 milhões de euros de verbas provenientes do jogo que estavam até agora canalizadas apenas para o Turismo, considerando esta atribuição "um sinal político essencial".
[excertos de uma notícia retirada da net]
O orçamento de 2008 para a Cultura ( segundo as contas que Ana Drago há tempos apresentou na sua interpelação ao ministro) foi de cerca de 0,2 % do O.G.E. . Esta percentagem - que é uma vergonha para um orçamento elaborado por um governo de socialistas que tinha como meta da sua governação atingir 1% do OGE - sofre, diz o ministro, um ligeiro aumento em 2009.
É verdadeiramente escandaloso e demonstra a insensibilidade deste governo para as dinâmicas culturais, para a produção de riqueza material e imaterial que elas significam. Gostava de poder escrever "o Partido Socialista tem de repensar rapidamente o seu programa e as suas ideias políticas para a cultura" e ser levado minimamente a sério. Não serei. A possibilidade de um Orçamento como este chegar a ser formulado só pode dizer antes de mais que a Cultura perdeu qualquer estatuto político.
É nesse contexto que as declarações do ministro surgem como absolutamente delirantes. Começa por dizer que em 2008 pensou em gastar 211 milhões de euros e que em 2009 vai gastar 212,6 milhões (pequena habilidade contabilística: os valores de 2008 não têm decimais o que faz com que intuitivamente façamos a diferença a partir dos 211 milhões, o que dá 1,6 milhão de euros. Mas se formos seguir a indicação de que se traduz num aumento de cerca de 0,4 por cento, já dá valores próximos dos 211,8 milhões de euros, com uma diferença da ordem dos 0,8 milhões de euros).
Poderíamos ainda assim compreender uma satisfação por ter mais 0,8 milhões de euros. É pouco, mas poderíamos, estamos habituados a um miserabilismo tal nesta área que poderíamos entendê-lo. Só que o contentamento com que Pinto Ribeiro acolhe a ideia de pela primeira vez, o que é na sua opinião um sinal político essencial, ter mais 3,5 milhões para a cultura vindos do jogo, faz-nos desconfiar da sanidade política do ministro. Se, tal como a dupla Carrilho-Nery, o reforço de dinheiros para a cultura tivesse vindo do PIDDAC e se se viesse somar às verbas do OGE ainda concordaríamos com o gáudio. Mas não. Percebemos que os 212,6 milhões de euros são afinal 209,1 milhões de euros assumidos directamente nos custos de exploração do OGE e 3,5 milhões e meio provenientes da receita do jogo (desconheço se sobre os dividendos de 2008 ou os que se esperam de 2009) que até agora estava a ser só canalizada para o Turismo. O que quer dizer que se, por exemplo, em 2010, o OGE decidir que as verbas do jogo são divididas pelo Turismo, pela Segurança Social, pela Cultura e pela Educação, a Cultura pode vir a ter um rombo significativo (como o terá agora o Turismo) porque de facto o Estado deixou de assumir da mesma forma cerca de 3,5 milhões do Orçamento da Cultura. Tudo isto não precisa de ser exactamente assim. Todos sabemos como a crise, o sentimento de crise, exponencia o jogo. Mas daí a querer-nos fazer passar por tolos devia ir uma grande distância para um ministro da República.
Só que o mais grave são as explicações para o reforço do Orçamento da Cultura em 2008: segundo José António Pinto Ribeiro a Cultura gastou mais seis milhões de euros (2,8%) porque o ministro das Finanças o permitiu, já que executaram tudo rigorosamente. Estas declarações só passam impunes porque um ministro que tem 0,2 do OGE pode ser politicamente inimputável. Em primeiro lugar, não indo ainda para o aspecto da cultura política que este argumento evidencia, não foi este ministro que acabou de demitir o conselho de administração do Teatro Nacional D. Maria II por desvios orçamentais, gestão incapaz e pouco rigorosa que, alegadamente segundo o ministro, rondam os dois milhões de euros, e que se aproximam assim de um terço do reforço de verba de 2008? Que rigor?
Em segundo lugar o Estado gasta mais seis milhões de euros e a única coisa que o ministro tem para dizer é que esse reforço de verbas acontece porque o ministro das finanças deixou porque eles tinham sido muito rigorosos nas contas? E já agora uma explicação para esses seis milhões ( que investimentos houve assim na área da Cultura em 2008 que ainda ninguém deu por isso?!) a mais, não? Para onde foram? O que os justificaram? E como é que um ministério que gasta mais seis milhões de euros do que o que previu sem que desse excesso haja alguma evidência de ganho significativo no País, pode ser rigoroso nas contas a ponto de receber um reforço?
Não me interessa muito explorar este jogo de espelhos dos números do orçamento. Embora seja uma tentação, no deserto que parece ser a actuação do Ministério. Não devemos no entanto deixar de assinalar uma revolta pela idiotia. José António Pinto Ribeiro não é um idiota. Já deu provas que é tudo menos um idiota. Portanto se ele fala como se fosse um idiota - ou como se falasse para idiotas - isso só quer dizer que no plano político o discurso sobre a cultura * - para além de ter perdido grão, estatuto e lugar - perdeu qualquer tipo de respeito que poderia ter pelo povo.
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* e não nos desculpemos com os jornalistas que não fazem as perguntas que qualquer um de nós faria. Por exemplo, uma daquelas cuja ausência é mais chocante: onde é que houve afogadilho, falta de rigor e perfeição no orçamento de Estado de 2008?

3 comentários:

Anónimo disse...

Pavão tonto esse Ministro da Cultura.

Anónimo disse...

hoje pavão, amanhã espanador.

Anónimo disse...

De facto, a incongruência excede a flamboyance: Então o sr ministro está contente porque lhe deram "mais"? Mas ele não estava à espera de "menos" para fazer "mais e melhor"? Já agora: alguém me explica o que este sr fez como ministro? Não o que ele disse - o que ele fez.