quinta-feira, janeiro 22, 2009

Aborrecimento

Volta e meia torno aqui a chamar a atenção para o papel demolidor que o trabalho da linguagem tem na nossa vida. E outras tantas já nem aqui venho. Fico a meio caminho, pelos blogues dos outros, pelas ruas, pelos cafés. Por estas tardes de chuva tão cinzentas como há muito não me lembro. Estamos a perder de vista o sol, é o que é. São mais as vezes que aqui não venho, que volto para trás a meio do caminho. Aborreço-me, entedio-me com o que tenho para dizer. Eu não julguei passar por isto em dias da minha vida: ter um blogue para expressar as minhas ideias e de repente não escrever nada porque me apercebi que tenho bem poucas ideias minhas. Mesmo que eu disfarçasse isto com uns penso que, as minhas elocubrações e divagações são territórios de ninguém, coisas que me chegam e que partem sem eu saber bem como nem porquê. Eu sei. Podia calar-me. O problema mantém-se. Nem mesmo o meu silêncio é meu. Ou, raras vezes o meu silêncio é meu. É, deduzo, muitas vezes, um silêncio cenografado, cinematográfico até. Os milhares de filmes que eu tenho dentro de mim soltam-se aos poucos como se fosse o bolsar de um bébé. Não só o não escrever(-me). O pior é o tédio diante do que escrevo. E curiosamente não sobre o que leio. Achei graça a um texto do MEC (para a minha geração estas iniciais, escritas a letras gordas no INDY, foram as de um sábio irmão mais velho) que dizia que à medida que crescemos toleramos cada vez mais os outros. É verdade. Não seria honesto se não dissesse que também me aborreço terrívelmente com muito do que leio, com os mesmos jogos de afirmação, de exclusão, again, again, again, e ainda uma outra vez, mas é verdade que a leitura dos outros consegue reconfortar-me do incómodo que é escrever. Não disse bem. Não me incomoda escrever. Escrever salva-me. Sei lá de quê mas salva-me. Tenho bem a noção disso que fui salvo. Chego à mesa e sento-me. O écran. As palavras algumas já lá. O fluxo interno, a exteriorização. O vínculo. O fazer parte. Não sei. Sei que me sinto salvo. Não a salvo. Sinto-em salvo. É um momento. Depois o texto começa a esmorecer. E eu sei que o vínculo se vai perder. O quente também. Vai-se o quente, o calor, está a ficar frio dentro de nós. A vida mata-nos. Quando eu era adolescente olhava os meus pais, os amigos dos meus pais, os vizinhos, e ficava com a ideia de que o meu mundo era de gelatina e o deles era vigoroso e firme como cimento. Que eu vivia como se pudesse desaparecer, ir embora, a cada instante. E que eles estavam aqui para durar. Duraram muito é verdade. Alguns deles, como o meu pai, os meus tios, os meus avós, já se foram, mas ainda duraram muito e sempre com aquele ar de que estariam lá para sempre. Hoje dou-me conta de que se há mundo que pode desabar a cada momento é o meu, o nosso, o dos meus amigos. Ainda não estamos em idade de morrer mas já vamos indo pelo próprio passo e isso já não parece escandaloso. Tenho algumas coisas que queria escrever mas ainda não o queria começar a fazer. Há em mim uma natureza dúplice: algo que se foi familiarizando com a escrita e ao mesmo tempo uma constelação anarca que se revolta contra o poder que a escrita - enquanto trabalho de fixação - contém. Mas no outro dia fiz as contas à vida (e à morte) e pensei. É bom que comeces a escrever aquele projecto. Os outros não, pensei, os outros não têm nada de original e qualquer um os pode fazer melhor do que tu. Arranjo sempre problemas intermediários de outros problemas. Agora já resolvi que quero escrever. Já encontrei até uma forma de libertar a agenda dos não-projectos. Falta-me ainda algo, o mais importante: redescobrir a minha crença na comunidade. Um cínico como eu, ou um falso apaixonado, ou um apaixonado e um falso cínico, pode escrever descrendo da humanidade. Mas não consegue fazê-lo sem acreditar na comunidade. Ela é o totem em torno do qual se escreve a dança que as palavras da tribo consubstanciam.

3 comentários:

blue disse...

posso juntar-me à dança?

Doramar disse...

Necessidade de renovação... isso é é bom :)

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

Mâos à obra !
Partilho das tuas preocupações...
Gostei muito de te ler !
Abraço Amigo !
_________ JRMARTO( zémarto )