segunda-feira, dezembro 21, 2009

A voz humana

Para mim é da ordem do mágico, o gravador. Gravar uma voz, nessa tessitura subentender uma vida, uma história, um país. Tudo aquilo a que num repente de lucidez e de ternura chamámos O outro. Vou parecer antigo: sou do tempo em que a magia do Outro nos fazia reverbrar. Gosto por isso da magia das reportagens e das entrevistas. Aprendi, desde muito novo a gostar de ler Oriana Fallaci. Ou a ler as entrevistas aos meus filósofos de culto e afecto, Bertrand Russel, Sartre, Karl Popper. Bergson. Guardo, já nem sei onde, mas sei que algures neste mundo há caixotes de recortes de jornais que eu coleccionei, com entrevistas a todos eles. Há pouco tempo, a propósito de umas entrevistas que fiz a Marcantónio Del Carlo e ao João Didelet, para ajudar à divulgação do espectáculo (eu fiz a assessoria de imprensa de Figuração Especial), voltei ao género e gostei. Já antes, para o making off da Desobediência tinha entrevistado (com imagem do Joaquim Diabinho) o Rui Mendes. Eram coisas que eu deixara de fazer há muitos anos. Tinha-o feito para a Revista o Actor e para o Dn Jovem. Levo muito a sério isso. Gosto de ler, pesquisar a informação e gosto do pequeno confronto que há numa entrevista. É uma espécie de jogo em que, quando vale a pena, ninguém sabe muito bem quem conduz o quê. Foi o que me aconteceu quando falei com Faustin Linyekula. Eu estava com receio, o meu francês estava empoeirado. E pela primeira vez tinha um repórter fotográfico comigo. E entrava e saía gente do camarim. Eu conheço os ambientes. Fiz assessoria de imprensa no Teatro da Trindade. Mas eu só pensava, estes gajos todos vão perceber que eu não percebo nada disto. O próprio Linyekula, um tipo simpático e disponível mas que queria fazer a conversa comigo antes do ensaio, e a quem eu disse que esperava o tempo que fosse preciso mas que só falaria com ele no final, vai chatear-se comigo e dizer-me, precisamos de tradutor. E eu vou enfiar o rabo entre as pernas, matar aquele sonho incompleto de entrevistar, pensar, perdi muito tempo, agora só se voltar a acreditar na transmigração das almas - teoria que fugazmente segui quando me apaixonei por Somerset Maughan (meus deus, sou tão antigo!!!) -e esperar que na próxima reencarnação seja desde muito novo jornalista. Felizmente não aconteceu isso. Gostei da minha estreia na Rua de Baixo. Aqui. E já agora, saboreiem as imagens do Rui de Freitas.

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