Vou, a pouco e pouco, deixando cair o hábito da citação. Há frases de que sou feito mas a memória vai-se indo e quando a lembradura não se associa a uma emoção, tenho tendência a esquecer-me. Lembrei-me disto ao dar comigo com a recorrência com que, nestes dias, me ocorre o dito que ouvi ao Miguel Real (que andava ás voltas com uma investigação sobre o séc XVII/ XIX), " Estou cheio de saudades do século XX!". Lembro-me de que a frase iluminava todo o seu rosto, com aquela vivacidade e aquela agitação que lhe é tão própria. Lembrei-me disto ao ler a reportagem de Alexandra Lucas Coelho sobre Édipo-Rei e de pensar que este vaivém entre o nosso tempo e outras épocas é tão necessário para nos libertarmos de uma ânsia de totalidade que respira por todos os poros da nossa epiderme contemporânea. As coisas podem ser de outra maneira. O coro da tragédia grega somos nós, a cidade. O que queima Édipo não é a verdade, é o valor dado à palavra. É por isso que quando ele amaldiçoa o assassino de Laio é a si, sem apelo nem agravo, que se amaldiçoa. Olhássemos a cidade de hoje à luz da cidade de ontem, e veríamos que seria impossível fazer viver nela a ideia de política. Sócrates, Manuela Ferreira Leite, Paulo Portas, Francisco Louçã, Jerónimo de Sousa, todos eles, sem excepção, já estariam condenados pela sua própria retórica. Há quem, face a este quadro, quem adiante que é porque na vida contemporânea a palavra perdeu credibilidade. Outros, mais pragmáticos, dirão que o problema se resolveria facilmente com a contratação, por Édipo, de uma boa assessoria de imagem e comunicação.
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