Não vi muito do Prós e Contras. Um breve instante antes de adormecer a olhar a televisão. Devo-me ter embalado com o vaivém de Fátima Campos Ferreira a dançar no banco - ou estaria a tentar sentar-se? - entre José Manuel Pureza e Jorge Lacão. Fiquei com uma frase do chefe de bancada parlamentar do Bloco: "- Dizer-se que os portugueses tem vindo a viver acima das suas possibilidades é um insulto para com a pobreza instalada neste país." Registei e aplaudi. E não é só isso. É um não saber explicar as coisas que dá a ideia de que as coisas não são vistas como elas são. Ora se nós não vemos as coisas como elas são como poderemos ambicionar resolver os problemas? É um facto que andamos todos a viver acima das nossas posses. Eu vivo com o que não tenho. Basta olhar o meu extracto bancário mensal para o perceber. A maior parte de nós vive com o que (ainda) não tem. E somos nós, os pobres, os indigentes, os remediados, que vivemos com o que não temos. E como é que alguém pode viver com o que (ainda) não tem? Porque se a sociedade da poupança nos ensinou que podíamos enriquecer com o que ganhámos, a sociedade do consumo deu como adquirido que poderíamos viver com aquilo que tínhamos expectativa de vir a ganhar. E assim, mediante seguros de protecção de empréstimos, de adiantamento do ordenado, cartões de crédito, créditos de lojas, transmitiram-nos a ideia de que podíamos ter hoje o que iríamos ganhar amanhã. E se isto começou por ser verdade com os que têm rendimentos renováveis com alguma garantia e estabilidade, também o passou a ser para quem não o tinha. Todos nós sabemos isso. O capitalismo financeiro ajudou a vender a ideia - que a indústria e o comércio necessitavam para fazerem progredir exponencialmente os seus negócios - de que o consumo era o novo dispositivo criador da igualdade entre os homens e as mulheres de boa vontade. E fizeram-no não por algum instinto filantrópico. Fizeram-no porque quiseram vender hoje aquilo que nós só podiamos comprar amanhã. E assim, para poderem ganhar mais do que podiam (e deviam) proporcionaram a possibilidade das pessoas poderem viver com o que (ainda) não tinham. E tudo isto acontece porque os Estados não se interessaram nunca por regular, pelo lado da oferta, esse fenómeno. É por isso que dizer-se que andámos a viver acima das nossas possibilidades é uma mentira. Nós podíamos e pudémos. Talvez não devêssemos ter podido. É certo, diz-nos hoje o revés deste sonho dourado. O que aconteceu é que, entretanto, houve agentes económicos que andaram a ganhar mais do que deviam e acumularam fortunas colossais.
1 comentário:
Eu já não consigo ver esse programa. A senhora veste-se bem, ganha ainda melhor e faz aquele papel. Era uma das que merecia levar o ordenado cortado para valores normais da especialidade. Quanto ao viver acima das possses isso é tudo uma mentira. Por este andar, quando as grandes superficies começarem a fechar por excesso de oferta em relação à procura possivel, pode ser que esses senhores que movimentaram tudo isto também tenham que mudar de estratégia. Nessas casas a crise é de fartura de tudo e mais alguma coisa. Só que dinheiro, não há. E os que podem nem precisam de comprar porque lhes oferecem tudo. O País, e o Mundo em geral precisava era de uma nova ordem económica. E ela há-de chegar.
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