No dia 5 de Junho vou votar e esse voto é para mim um voto no escuro. No meu anterior
post dei conta de toda a minha angústia: durante toda a campanha não consegui inclinar-me por nenhum dos partidos em quem poderia votar, PS, PCP ou BE. Já expliquei demoradamente que por maiores demonstrações que as lógicas partidárias da Esquerda possam fazer, o que para mim parece inequívoco é que a Esquerda detinha uma maioria parlamentar e se desfez dela para entregar o País a uma direita que tem - num contexto
internacional recessivo, e numa Europa dominada pelo sequestro da política por parte da Economia - condições para
impor medidas e programas que há meia dúzia de anos acharíamos impensáveis.
Para mim tudo isto é de uma lógica quase cartesiana:
os eleitores de esquerda querem ser governados à esquerda e é esse o sentido do seu voto e se os partidos que representam a esquerda não conseguem traduzir este desejo em realidade falham, traem o voto que lhes foi confiado.
Se essa
traição é concretizada num momento em que era indispensável que houvesse esquerda capaz de se bater, no país, na Europa e no Mundo por aquilo que são as necessidades das pessoas, é
traição agravada.
Estamos em guerra e uma esquerda que não o reconhece não é de confiança.
Para mim é muito claro que o voto no Partido Socialista não serve para nada senão para tornar a sua regressão mais difícil e demorada. Houvesse uma centelha de esperança de que com o voto no PS eu poderia ajudar esse grande partido da esquerda portuguesa a preparar-se para dar alguma lucidez e pragmatismo à vida nacional e eu votaria no PS com alegria.
O Partido Socialista vive um período nefasto de
eucaliptização ideológica, já o afirmei. O exemplo mais dramático disso chama-se Ferro Rodrigues. Se nem um político como ele conseguiu resistir a esta incongruência ideológica de achar mais natural juntar-se a uma direita que não
trai a direita do que uma esquerda que
traiu a esquerda, então não há nada que possamos fazer senão esperar que a derrota eleitoral seja a vaga de fundo que leve José Sócrates para bem longe da política activa. Por mais paradoxal que possa parecer é a melhor forma de defender o importante contributo político que os Governos de Sócrates
materializaram para o
desenvovimento do País. E para aquilo que podemos e devemos chamar o legado da esquerda. Há um envenenamento geral da política que se traduz nesta ideia de que devemos votar num partido pelo que ele fez. Quando a política seria mais saudável se votássemos num Partido por aquilo que, objectivamente, reconhecemos que ele pode vir a fazer. O voto não é um prémio dado ao conselho de administração de
PORTUGAL.EP. É um mandato para que nos governe. Ora é
insofismável que aquilo que o PS se
propõe fazer é aplicar internamente o mandato não democrático de uma
troika revestida de uma tecnicidade económica que anda a sequestrar a política. Não deu, em nenhuma das sua palavras durante a campanha, sinal de que tivesse pelo menos estudado as propostas do BE e do PCP (que carecendo do pragmatismo e da capacidade de poderem ser implementadas
ipsis verbis, apontam o único caminho que é possível fazer no futuro da Europa).
À esquerda do PS, o PCP e o BE, apresentaram propostas. Mas ao contrário do que dizem alguns comentadores, fizeram-no não a pensar no País, mas nas suas
sobrevivências políticas.
Louçã e Jerónimo fizeram uma aparatosa reunião para anunciar uma pacificação que não era mais do que espectáculo. O Bloco de Esquerda disse que logo que se soubesse o memorando da
Troica iria apresentar ao Governo um conjunto de medidas para
opor a esse programa.
Fê-lo, uma por dia,
propagandisticamente, ao correr da campanha, não para o Governo, para os media. O Partido Comunista foi talvez o mais honesto nesse aspecto. Nunca fez alarde, não tirou nem truques nem coelhos da cartola. Apresentou medidas com o mesmo pragmatismo com que há trinta e 37 anos sobrevive politicamente em Portugal. Só que o Partido Comunista tem dois grandes problemas de análise desta conjuntura: primeiro, não reconhece que a hipoteca de Portugal é a hipoteca da Europa porque o projecto europeu
terá mais dificuldades de sobreviver se somar mais um caso de usura e exploração
interpares e como o PCP não reconhece a validade do projecto europeu, não valoriza isto; segundo o Estado Gordo do PCP é apenas o estado gordo contra o qual se vocifera nas praças, nos mercados, nos
taxis, nos cafés, ou nos diversos corporativismos de natureza sindical que são a sua força motriz. E não é. O estado gordo é também um estado doente na sua missão por causa de ter estado dominado tanto tempo pela política partidária. O Estado em Portugal está doente porque desde 1974 incorpora, em sucessivas vagas, os corpos acríticos da ocupação que dele fizeram as diferentes forças partidárias que estiveram no poder, desde o PCP ao CDS e porque sempre que se fala em definir a sua missão e de ajustar os seus recursos a ele há um aqui
del rei por parte daqueles que sempre se tiveram na função pública os seus principais bastiões políticos . Tornando-o mais vulnerável a uma direita que usa o Estado para o atacar e o distribuir, em partes separadas para montar, pelos seus grupos de interesses.
É por isso talvez que à Esquerda do PS as baterias se afinaram ultimamente para o voto em branco e a abstenção. Nunca se falou assim do voto em branco. Quer dizer que se está a perceber que ele é um voto qualitativo a favor da democracia representativa. Quer dizer que tarde mas em tempo, a esquerda reconheceu a orfandade política em que deixou muitos dos eleitores que lhe tinham confiado o voto. Se não há uma esquerda que nos represente no plano dos partidos concorrentes à Assembleia da República reconhece-lo no voto em branco é criar condições para que isso possa acontecer. Não tenho nenhumas dúvidas de que a razão me impôe o voto em branco nas próximas eleições de 5 de Junho.
No entanto a Esquerda tem razões que a própria razão desconhece. Não poderia criticar o BE e o PCP por não o terem entendido e estar a fazer do voto uma palmatoada pelo que fizeram. Há coisas mais importantes para a esquerda e para o País. Uma delas é perceber que a Cultura é o espaço onde melhor poderemos contrariar todos estes eixos discursivos que como feixes, nos toldam a capacidade de pensar. Estamos transidos de medo. Só a cultura nos devolverá a dignidade que desejamos. Como disse José Gil, a sequela que ele espera de todos nós com o seu Portugal, O Medo de Existir, é um livro imenso, escrito nas ruas, nas praças, nas casas, intitulado Portugal, o Desejo de Existir. Depois da era de ouro de Manuel Maria Carrilho, a Cultura é um campo cuja dignidade política só se encontra minimamente respaldada nos programas políticos do Bloco de Esquerda. E que parlamentarmente são a força política que poderá disso fazer uma bandeira mais presente.
Outra questão é perceber que a insistência com que o BE e o PCP falam da renegociação, tem provocado que essa palavra tenha perdido a sua conotação terrível de Estado mal comportado e que se tenha percebido de que poderá haver um caminho, muito estreito, na possibilidade da Europa assumir politicamente que tem de mudar os prazos, os juros, a sua própria filosofia da dívida e não se entregar mais à agiotagem. O BE e o PCP demonstraram ultimamente que não são uma esquerda de confiança, é certo, mas no quadro político que se aproxima não haverá muitos motivos para desconfiar que não vão fazer aquilo que parece serem as suas melhores vocações: protestar. Da mesma forma que quando a questão for esperar da esquerda que se una para nos governar à esquerda, o voto no BE e no PCP, se mantiverem o mesmo tipo de prática política, poderá ser insensato, agora, que o País vai ser governado troicamente à direita, é uma excelente oportunidade para que faça sentido votar numa esquerda de protesto.
É um espaço mínimo. Como disse, se a razão me assistisse votava em branco. Há razões que a razão desconhece e o pragmatismo político que aprendi ao longo destes 37 anos de democracia leva-me a confessar que vou votar no Bloco de Esquerda.
2 comentários:
Gostei de tudo menos do fim... manda a coerência.
Cordialmente.
Aurélio Pinto
O erro está em considerar, este PS, de esquerda!
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