sexta-feira, abril 06, 2007

E a Boytchévia aqui tão perto

A ideia é exactamente esta: o humor é uma arma. É claro que, como canta o Palma, não há nenhuma arma que não dê ricochete. Diz-se também que isto é uma espécie de repetição da fórmula que tanto sucesso deu no caso da crítica às posições de Marcelo Rebelo de Sousa no referendo sobre a IVG*. Eu gostaria de não dizer o que estou a dizer, até porque este cartaz do PNR deixou-me sem saber o que havia de fazer e pelo menos alguma coisa os Gatos fizeram. Mas o que me parece que foi brilhante, genial no caso do Marcelo, e até autêntico serviço público, porque parecia que não havia a possibilidade de em tempo real se contrapôr com eficácia o desmesurado poder mediático das posições de Marcelo, neste caso pode ter sido uma grande precipitação, podendo vir a acabar de forma inglória através do pagamento de uma determinada coima relativa à remoção do cartaz. Para além disso há todas as razões que nos saltam à evidência: enquanto no caso do Marcelo se neutralizou uma campanha de alguém ( e não de uma partido) que detinha um incompreensível ascendente mediático sobre a televisão pública, e esta neutralização apareceu primeiro conotada a um dos elementos dos Gatos que também era activista na campanha, no caso deste pequeno partido o efeito talvez seja o contrário. Por outro lado, o cartaz do PNR na sua violência verbal, se alguma coisa nos deveria provocar, deveria ser uma resposta política. Nos seus diversos domínios. Política partidária, participação na vida cívica e social. Poderemos todos nesse campo fazer muito por pouco que isso pareça quando um homem sem relevância política se coloca aos saltos e gritos no Marquês de Pombal. Mas uma coisa será cada um dos cómicos dos Gatos, por si ou em conjunto (e não se sabe bem como porque ideológicamente eles são bem um saco de gatos), tomarem uma determindada posição política. Devemos saudá-los por isso e nesse aspecto tenho pelo Ricardo Araújo Pereira, e pela sua coragem e oportunidade, uma admiração que nunca consegui ter por ele enquanto cómico. Outra coisa é a marca comercial de produção humorística, Gatos Fedorentos, e a sua última linha de produtos, a caricaturização das figuras públicas e políticas, adquirir peso político e neste caso, político partidário. Por muito voluntarismo que isso possa albergar, os Gatos não são uma espécie de corpo especial de bombeiros da politica portuguesa. São uma empresa, têm uma marca, têm linhas de produtos humorísticos e é assim que devem ser encarados. E também, por muito cruel que isto possa parecer, os Gatos não mimetizaram, invertendo-o, apenas o discurso político do irrelevante dirigente do PNR. Imitaram também esse enorme pôr-se em bicos de pés que o referido político tinha feito. E, independentemente do sucesso ou insucesso político, há também uma indiscutível tentativa afirmação de uma marca comercial que significa aumento de rendimentos para os seus patrocinadores e que parece fazer com que estejamos a aproximarmo-nos velozmente do delírio boytcheviano. Fica de tudo isto uma boa ideia para rirmos enquanto desejamos que cada vez mais o nacionalismo seja ideia em dissolução: a de que isto só com portugueses é uma seca . É por isso também que mesmo que a CML o remova, daqui já ninguém o tira.
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Nota: Depois de ter escrito o post li o Público de ontem e o de hoje e fiquei a saber que, para os próprios, o outdoor do Marquês é apenas uma piada. É verdade que vender piadas é apenas o trabalho deles, ou por outras palavras, vender apenas piadas é apenas o que eles fazem. Tudo isto talvez não tenha assim passado de um negócio. Ou não. Porque desta vez, quem sabe cansados do comércio, resolveram oferecer uma piada à cidade. E ainda pagaram isso do bolso deles, como enfaticamente fizeram transmitir. Ou seja, é um humor grátis. Grátis, grátis. À borlix! E nem se paga!
*E que andam a repetir até à exaustão, através da caricatura que Ricardo Araújo Pereira tem feito de quase todos os políticos. RAP quase parece um boneco do Contra. Inventa-se sempre mais um, consoante o caso do dia. Às vezes com sucesso, nota-se o esforço de actor, descolando assim da performance geral dos seus colegas. Só que em muitas das situações ser melhor que os seus colegas ainda não será medida bastante.

6 comentários:

j disse...

Justamente. Para mim, o cartaz só tem "piada" como gesto político (entenda-se: cívico). Só entendo as cautelas dos gatos como um modo de aliviar a tensão desencadeada pelo gesto - leia-se hoje, no DN, a notícia de ameaças anónimas que já circulam na internet. Gostava de acreditar que o miado não foi apenas uma acção de marketing.

sete e pico disse...

Eu confesso que me alegrou imenso este cartaz dos Gatos, acho que foi uma ótima resposta ao nacionalismo arrogante e extremista do PNR, e uma óptima forma de continuar a fazer política de uma forma diferente à que estamos habituados. Se isso lhes aumenta o negócio a eles, não lhe vejo problema, ainda bem, é sempre melhor ter lucro do que prejuizo desde que isso não passe por cima dos direitos de ninguém, se o sacaram do seu bolso para oferecer uma piada à cidade, uma piada politica, eu da minha parte agradeço-lhes terem dado uma resposta à altura daquele cartaz e louvo-lhes a iniciativa e o não terem medo de se expor, e se tiverem que pagar uma coima, até contribuo com os trocos do pão, valeu a pena enquanto lá teve.

Anónimo disse...

O cartaz merece a sua visibilidade, está genial pela agudeza e momento certeiro (kairos), mas sinceramente..., JPN, concordo plenamente com a tua posição relativa ao RAP. O que não me agrada aqui, e me fez achar o cartaz menos capaz e brilhante, foi exactamente a marcação de destaque, a diferenciação que ele impõe perante os outros. Trás fenomenicamente o lugar do circo que também lhes pertence e por isso perde eficácea no acto crítico para ganhar em publicidade. Achei muito desadequado e gostei de ver que tinhas reparado no mesmo. Aliás, o seu esforço salta agressivamente à vista.

Isto faz-me recordar o episódio empedocleano que Holderlin três vezes dramatizou, mas não creio que Ricardo Araújo se atire à Boca do Inferno para se reconciliar. Faltou uma certa elegância que de facto nunca fui capaz de reconhecer-lhe.

Anónimo disse...

ora bolas, fónix que isto de ser português é tramado.

ali em baixo, paira a pergunta sobre o que fazer, sem saber o quê.

uns bacanos matutaram no assunto e fizeram - o que para mim foi o melhor que alguém fez, além do silêncio oficial que é plenamente apropriado neste caso.

quanto ao futuro, não sou o prof. karamba.

JPN disse...

não é tão tramado assim, nós é que tramamos muita coisa. e ás vezes, as coisas. por exemplo, "o que para mim é o melhor que alguém fez?", refere-se a quê, a que medida? esse silêncio oficial é o quê? por acaso lemos, eu li, da CML, do Governo, dos Partidos, algumas posições oficiais sobre o assunto. o melhor que alguém fez sobre o assunto é as mais das vezes invísivel, pouco rumorejante. mas para não obrigarmos o outro ou à inexistência cívica e política ou ao andarem a esticar-se e a colocarem-se em bicos de pés talvez tenhamos uma boa solução: estar mais atentos ao que nos cerca.

sete e pico disse...

As tomadas de posição dos partidos são fundamentais, aliás é a sua obrigação, por isso votámos neles. Contudo, isso não desmerita que um grupo de cidadãos com poder mediático também tome uma posição pública utilizando a ferramenta do humor. Não foi o RAP que o fez foram os Gatos, não me parece que haja aí um lugar de destaque de algum deles, e se o "circo" serve para combater este aparente estado de marasmo em que vivemos, venha ele, com graça, sagacidade e lucidez. Eu por mim aplaudo, embora apoie a politica tradicional sinto muito mais empatia por este tipo de acções.