quinta-feira, setembro 20, 2007

Pedro Alpiarça 1958-2007

Tenho no bolso das calças dois bilhetes para o Pedro Tochas, hoje, às 23h. Ia telefonar-te, depois de acabar de visionar uma entrevista, como sempre, em cima da hora. E agora o que é que eu faço, companheiro?
Pedro Alpiarça
Teatro Mínimo
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[Voltarei com o regresso das palavras. Elas virão, como sempre, quando forem necessárias. Quando o silêncio for estéril. E mais palavroso, mais falso, mais insuportável do que a articulação. Olho para os dias que nestes últimos vinte e quatro anos vivemos juntos e não encontro em nenhum deles uma expressão de violência que me possa ajudar a compreender este voo de Ícaro sem asas. Há uns anos ele teve de fazer um papel de um homem que se tornava assaltante, e grande parte da comicidade do seu assaltante, para além das próprias circunstâncias da trama, advinha do Pedro ser a personificação de uma não-violência natural. Embora ele fosse, naturalmente, um cómico, o que nos escapa da explosão a que ontem se consagrou, é uma mensagem de um intenso dramatismo: os nós dos nossos laços não estão suficientemente cegos. Ou, não estamos a reparar o suficiente uns nos outros. Não sou de me vergastar, muito menos em público, até porque já não acredito na redenção dos aflitos, mas também não quero desperdiçar o gesto de um amigo: quando uma pessoa como o Pedro se atira de um quinto andar de um prédio é porque alguma coisa à sua volta falhou. Dizer isto é de uma crueza enorme, principalmente quando conhecemos a dimensão do afecto que o rodeava. Se não o amássemos tanto não nos sentiriamos tão envolvidos, tão comprometidos, tão responsáveis. Ontem a pergunta silenciosa que nos rasgava nos olhos na Guilhas - foi para lá que convergímos de forma intuitiva - era a mesma, porque é que não me ligaste?, e logo a seguir sentiamos o corte, o rasganço, quando percebíamos que ele nos tinha ligado, que ele nos tinha ligado a todos. A mim ligou-me há uma semana para me pedir desculpa por me ter despachado quando nos cruzámos, eu ía com o meu filho, ao pé do Centro Comercial dos Olivais, é pá, é que tinha os congelados a derreterem, e eu a rir-me, tá bem, não te preocupes, eu também ía com o Pedro e ele estava impaciente, e o resto, como estás?, e ele a armar-se de um pequeno entusiasmo, uns castings para umas cenas, um espectáculo na Guilhas, esta coisa das plaquetas está mais ou menos , e eu a desligar e a sorrir e a pensar, este tipo é d'ouro, com as suas maleitas e preocupado se foi um pouco menos disponível comigo, agora percebo, era um jogo, eu reparo em ti e tu agora olhas para mim, tu agora deixas-te das tuas merdas, das tuas dores e aflições e olhas para mim a sério, ok? Isto é stand up comedy no seu melhor e é para isso que nos servem os cómicos. Os nossos melhores cómicos. Para nos fazerem pensar na vida que levamos. Sorrindo, a bondade, o apego à vida do Pedro não nos dão nenhuma dúvida do sentido que ele gostaria que nós déssemos à nossa reflexão. Há múltiplas dimensões deste sorriso amargo que ele nos deixou. Uma delas é política: espero que os seus muitos amigos actores e actrizes acordem para a necessidade de engrossarem a voz do movimento dos intermitentes. O desfazamento entre as modalidades de prestação da segurança social e os ciclos de actividade profissional dos artistas e técnicos das artes do espectáculo não pode continuar a ser apenas algo que é sofrido como o drama individual de cada um dos proletários do riso, do entretenimento. E muitas vezes eles são as pessoas menos bem posicionadas para o defender. É que ainda há quem olhe para o movimento dos intermitentes e pense que se trata de um grupo que reúne os que estão desempregados, os que têm pouco trabalho, os que estão politicamente mais empenhados. Porque ainda há o receio de que se eu me meter nestas coisas ainda pensem que estou mal, sem trabalho. Há longuíssimos anos ouvi uma vez de José Pedro Gomes, "sempre que estou na merda, desempregado, deixo as coisas chegarem até à última quinhentola. Ai agarro na minha melhor farpela, ponho uma cara nova e vou beber o último wiskie como se tivesse na maior, como se estivesse a fazer milhões de coisas ao mesmo tempo. Aparecem logo convites. "É uma realidade desta vida de trabalho cuja dimensão pública não lhe tira dureza. Voltarei com o regresso das palavras. ]

38 comentários:

na prise és bestial disse...

Um abraço grande.

Anónimo disse...

O que fazemos com ele companheiro é ficarmos com ele para sempre...
Envolvidos por aquele abraço...
Chachão

A indecisa disse...

Oh bolas... ainda pensei que fosse uma brincadeira... há algum tempo que uma morte não me abala tanto!!!

beijos

Cristina Gomes da Silva disse...

Um abraço.

JPN disse...

obrigado, abraços, na prise, indecisa, cristina

JPN disse...

abraço muito muito forte, chachão.

Anónimo disse...

- Uma vida é uma coisa tão grande, tão grande.
Olhei-te.
- Dura tanto. Dura tanto.

Dito, escrito e ouvido em Maio...

Anónimo disse...

As injustiças e incoherencias deste país levaram um Ser de uma generosidade e humildade, de um talento sem limites. Querem mais injusto e incoherente do que isto?
Pedro, até breve....

black disse...

Será assim que o vamos abraçar:
“Perhaps they are not stars, but rather openings in heaven where the love of our lost ones pours through and shines down upon us to let us know they are happy.”
(Autor desconhecido)
Joana

Cláudia Vau disse...

Eu não tenho nada no bolso para o Alpiarça. Só uma entrevista na cabeça, ainda por agendar, sobre teatro interactivo, porque foi na Guilherme Cossoul que o reencontrei...

http://viveirodeloucos.blogspot.com/2007/09/uma-estrela-que-brilhar-sempre.html

Tomei a generosidade do Pedro e o seu "quando quiseres" como dados adquiridos e agora sinto-me tão estúpida! Ainda me custa acreditar na primeira página do 24 Horas.

Não tinha de ser assim...

Anónimo disse...

68 visitantes online



Pedro, vieram para te ver!

Quim

sete e pico disse...

também eu me sinto estúpida por tudo aquilo que ouvi e que deixei de ouvir por estar tão ocupada com a minha vida. è brutal este voô de ícaro que de uma vez deixou as asas de lado para gritar contra a indiferença que já não lhe era suportável. E também para a indeferença de um sistema que como disseste, deixa abandonados aqueles que se dedicam às artes na altura em que eles mais precisam.

para ti, que eras mesmo um amigo seu, um grande abraço de terras catalãs e para ele desejo sinceramente que consiga o descanso que se merecia.

Histórias Contadas disse...

Foi com grande tristeza e já com muitas saudades que soube da morte do Pedro.
Ficarão para sempre as conversas que tivémos, menos vezes do que eu gostaria, nas quais mostravas o grande homem, o grande amigo e o grande profissional que ÉS.
Até amanhã camarada.
Nuno Machado/Histórias Contadas

dizia ela baixinho disse...

abraço apertado, quim.

guardo uma memória bonita do teu amigo a celebrar ctg o dia do teu aniversário.

...

Anónimo disse...

E lá foste assim.

Sem conseguir respirar, no desespero de uma consulta recusada por um hospital público.

Tu que tanto ansiavas por uma ajuda, um apoio ou um abraço, um médico que aceitasse realizar-te uma consulta neste período de tão grande aperto em que o teu coração sofria. Não imagino a tua dor.

Imagino a cobardia insuportável e insensível de agentes públicos de saúde, quais pau-mandados deste governo ps asceta, hipócrita e fascizante. Santa Marta vive hoje na falange da coluna fascista de um Estado estéril, ordenado por eunucos e fantoches.


Pedro, és ternura e candura e sê-lo-às sempre para nós que contigo te sentimos homem sensível e preocupado, tão amigo do seu amigo; que contigo partilhámos tantas sensações, tanta vida.

Estarás no meu pensamento "quando queiras", meu bom amigo.

Anónimo disse...

Pedro, (apetece-me falar-te assim) vou ter tantas saudades que me chames Ludófila... Obrigada por nos abrires os olhos com este murro no estômago. JPN assino por baixo das tuas palavras. Descansa em Paz, meu Alentejaninho. Da tua Betinha. Sempre*

Susana Vitorino

Anónimo disse...

http://porosidade-eterea.blogspot.com/2007/09/so-21-horas.html

Anónimo disse...

http://porosidade-eterea.blogspot.com
/2007/09/so-21-horas.html

Anónimo disse...

Uma humilde homenagem ...

Ó que medo tão terrivel
Sinto eu ao acordar
Eu não queria ter nascido
Para não ter de morrer
E na cama vou ficando
adiando e adiando

Não!!!Eu não quero sair
Eu não quero enfrentar
Todo o mundo e toda a gente
Encolhido eu quero estar
E deixem o tempo passar
que enquanto eu estou encolhido
Eu me sinto protegido

Mas o tempo vai passando
E na cama vou ficando
Adiando e adiando
O ter que enfrentar a vida
Esta vida,Ó que puta!!
Porque é que eu me sinto assm?
Tão perdido e tão sózinho
E tão fraco e coitadinho
Que já nemforças eu sinto
Para me poder levantar....

sem-se-ver disse...

um abraço. (merda de vida)

Anónimo disse...

Meu querido Pedro,

Vou ter saudades do teu carinho e da tua presença sempre sensível.
Obrigada por teres partilhado comigo a minha ligeira passgem pelo teatro!!
Um beijinho grande

"Dona Feia..."

Anónimo disse...

Sinto-me tão ridículo falar contigo através da frieza desta tecnologia, tu que eras tão afável... Queria te recordar daquele retrato que um dia te tirei. Lembras-te? Dizem que quem tira o retrato perde um pouco da sua alma. Pois olha, o pouco que te roubei vai ficar comigo no meu álbum. Até já Pedro. Luís Silva

Anónimo disse...

Sempre que me cruzava com o Pedro ele tinha um sorriso de quem queria gostar da vida. Que raio é isto tudo?
Um grande abraço Pedro.
Bruno Schiappa

Rini Luyks disse...

Caro JPN,

Um abraço. Concordo plenamente com o texto. Não conheci pessoalmente Pedro Alpiarça, mas conheço (e já senti pessoalmente) a situação dramática de muitos profissionais das artes em actividade intermitente. E quando presenciamos um desfecho como este não há palavras...

Anónimo disse...

Olá Joaquim,

Não consigo deixar de pensar no que levou um ser tão lindo e delicado a tomar uma actitude destas, assim...
Como é que num hospital se recusa ajuda a alguém?
Como é que um actor tão talentoso anda sem trabalho?
Como é que é possivel alguém tão querido por todos os amigos e colegas não tenha recebido o apoio que precisava?

um grande abraço e até Domingo.

Rui Rebelo

Anónimo disse...

Mas encontrar as razões deste acto não é a melhor forma de homenagear um Ser Humano Maravilhoso!
Importa sim lembrar que ninguém está imune ao desespero, que todos corremos o "risco" de acordar em angústia e que está pouco nas nossas mãos, como seres individuais, varrer do intímo de cada um o desejo de partir...mas TEMOS O DEVER DE CULTIVAR OS AFECTOS!
Um abraço para si e para o Pedro Alpiarça um Até Sempre, porque ELE fica connosco mesmo quando julgou que era melhor não ficar!

Rini Luyks disse...

É verdade que o período de luto, ainda tão pouco tempo depois de um acontecimento trágico, não é a melhor altura para desenvolver raciocínios ou esgrimar argumentos.
Devemos homenagear o Pedro lembrando o bonito que ele trouxe ao mundo, mas não será também uma forma de homenagem denunciar e lutar para melhorar condições de vida e de trabalho que levam uma pessoa (e quantas mais ainda?) ao desespero!?

JPN disse...

Rini, disseste tão bem. pensar, pugnar, lutar, é uma forma tão bonita de homenageramos o Pedro. abraço

João Torres disse...

Um abraço.

Telmo Carrapa disse...

Amigo,

Um forte abraço. Daqueles!...

nana disse...

conheci o pedro quando trabalhámos juntos na peregrinação, em '98...

conheci-o muito mal.

ficou-me a bondade explícita, o sorriso menino dos olhos, a presente alegria.

.....

conheci-o muito mal.

mas o suficiente para me doer muito alguma coisa, agora, cá dentro.

..

.


um abraço a ti.
forte.
em tristeza.

Anónimo disse...

no fundo tenho sorte.
por mais força que faça, não conseguirei nunca voar.
as amarras são muito fortes.
mas tenho receio do dia em que decida cortar os braços.

Anónimo disse...

vejo-o a lutar por um equilibrio.. desconcertante.. alucinante.

Critico do sistema que nos envolve.. permanente critica "dura" exterioriza ele, constante insistencia... num doce tom..meigo, tão afavel e suave..

nao se coaduna.. nao ajustámos.
O momento transcendeu..precipitou-se.

A dor arrasta responsabilidade.. havia tantas saidas..
onde estávamos todos nós ás 13.30 de 5f????

Alpi, aquele abraço e aquele sorriso que me fica para sempre..

àqueles que tiveram o prazer de se cruzar com o pedro, ele esta entre nós, muito presente e sempre presente, sempre lindo.

Anónimo disse...

Pedro, meu amigo... Vou ter saudades, a tua simplicidade, a tua revolta contra a injustiça, o teu gosto pela a natureza, tudo, tudo que fazia de ti um homem unico. Para sempre, a tua amiga da paz, dos passeios junto a nascente do Liz (que adoravas) e... ja não tenho palavras, fiquei comovida...

Anónimo disse...

Existem poucas pessoas que poderia
chamar "Cara" com C grande... Alpiarça é um desses...

Porque a alma nunca morre, estará sempre dentro de meu coração expressões e sorrisos de alguém que nunca deixará de existir.
Um dos Grandes Icones do Teatro Português!!!!
Obrigado por ter tido a oportunidade de conviver com vc
e por nunca ter deixado de ser quem é!

"Um baita de um beijo na bunda e um montes de saudades!"

Anónimo disse...

é "dramático" o que o futuro nos reserva, tristes caminhantes neste país!

Anónimo disse...

O MEU CORAÇÃO CHORA
Sou de Leiria e durante muitos anos segui as prestações magnificas do pedro com "o nariz", minimo e outras colaborações em companhias de teatro. E curioso que há uns anos atras á conversa com o Pedro antes do começo de uma peça do festival Acaso em Leiria ele me referiu uma situação que tinha ocorrido num hospital em Lisboa com uma amiga dele seropositiva, que tinha sido mal recebida. Ele estava com razão escandalizado. Seria um presagio ? espero que não.
Espero que o nosso ministro da cultura tenha alguma sensibilidade e que o gesto desesperado do pedro permita que os intermitentes do espectáculo sejam reconhecidos na nossa sociedade.
PS: Para o Nariz, meu profundo abraço ao Pedro e a Vitoria, wue dão o tudo por tudo para trazer teatro á cidade há tantos anos....

Miguel

Anónimo disse...

Deixei no seu braço um girassol, virado para ele, porque estes se orientam para a luz e se alimentam do calor.

O seu calor continuará connosco, e o seu gesto inesperado foi para muitos de nós, seguramente, uma luz que nos chama a atenção para as verdadeiras importâncias da Vida.

Estarás sempre entre nós meu querido Alpi.