quarta-feira, abril 30, 2008

Todos iguais

Ontem o Apicultor veio cá. Tenho um enorme orgulho em ser seu amigo. É um privilégio. Veio falar-me da terra e do filho. Brindei-o com um resto de pimento e tomate recheado, uma delícia. Pedi-lhe conselho para as alfaces, para as couves. Ou sobre a origem de algumas plantas. Depois falámos sobre a crise dos cereais, dei-lhe a ler uma reportagem do Público sobre um pastor da Mauritânia, que me tinha revirado do avesso. Ele partilha da tese de que tudo isto se deve, para além de uma intensa especulação, ao aumento de consumo de carne em países como a China ou a India, provocado por uma exportação do nosso modo de vida a camadas da população que vivem melhor. O consumo de carne, a alimentação dos animais são para ele uma grande justificação para o aumento do consumo de cereais. E fiquei a pensar nesta nossa existência paradoxal. É este querermos ser iguais que perpetua, tragicamente, a escravidão. Há-de alguém no futuro vir dizer-nos aquilo que alguns de nós já sentem como a sua dor de pensamento: a escravidão do humano é uma realidade não política. Conseguimos bani-la da política mas não acabámos com ela. Só a expulsámos das nossas imagens, das nossas imagens conscientes. Para que o pai abastado da criança europeia possa adormecer a sua cria sem o doloroso pesar de se inscrever numa comunidade esclavagista. Depois, ao limpar a tijela da fruta apercebo-me de que a pera abacate que comprara apodrecera. Também uma banana. Deito-a para o lixo e digo ao Apicultor:
- Acabei de deitar para o lixo o suficiente para saciar hoje a fome de uma pessoa.

5 comentários:

Fulacunda disse...

Pois eu tenho para mim que a crise dos cereais tem como principal culpado o bio-diesel. Esse sim é que é o verdadeiro crime contra a humanidade, como alguém dizia, e não tanto a banana que deixamos apodrecer na abundância que nunca conseguiremos repartir.

abraço ao Apicultor
e para ti tb

apicultor disse...

Também julgo que o bio diesel vai ser um estanpanço, e vai, porque a sua produção implica por si só um enorme gasto de energia. Para a fome do mundo dá o seu contributo nada desprezível, mas continuo a achar que para a situação, muito contribui a exportação do nosso insustentável modo de viver.
Um abraço para ti, amigo fulacunda.

Francisco Caleia disse...

Penso que ninguém quer ver culpados. Repara como a China em “próspera economia” está a copiar o ocidente a um ritmo a que nunca teve acesso. A industrialização, neste momento, está atada ao poder económico, em consumo acelerado. Não será a fruta que tinhas em casa e não comeste, que saciaria a nova plutocracia.

Cumprimentos

cláudia santos silva disse...

sábias palavras, jpn.

os nossos avós e os nossos pais sabiam o que era ter fome, não haver pão, leite, carne, passaram ao lado de duas guerras e perceberam. ainda hoje deixo o prato vazio de forma compulsiva, porque era "criminoso" desperdiçar um grão de arroz que fosse. e ensinaram-me a descascar batatas e fruta de forma cuidada, para não desperdiçar mais do que a sua pele fina.
hoje, em Portugal, passa fome quem não tem dinheiro. e desperdiça-se muito, muito.
há uns tempos, uma amiga que preside à direcção de uma escola de província, contava-me que, por lei, seria obrigada a deitar fora toda a comida que sobrasse de cada refeição na cantina. a escola em questão tem um clube de cozinha que, todos os dias, com o que sobrava, prepara sanduiches, rissóis, etc., que depois os jovens cozinheiros levam para casa. para muitos alunos, é a única forma de terem garantida uma refeição nocturna. o clube ainda existe, à revelia da lei. até à próxima inspecção...

(sugiro que compres um recipiente de compostagem. desperdiçarás menos e a tua horta agradecerá :)

JPN disse...

a bendita compostagem, o que eu gostei deste nome. e comecei a fazê-la logo, com as ervas daninhas, depois da vossa dica. esqueci-me desta vez de aproveitar os restos de frutos. :)