quinta-feira, julho 24, 2008

A aventura da ma/paternidade

O debate começou: a Sete e Picos levou a discussão para o Oito e Coisa, Clara do Conto de Fuga continuou. E Ana, do Fios Soltos retomou. Volto ao tema. Começo por resistir a contar a minha história pessoal. Talvez vá ter de o fazer. Mas não já. Tento escapar a essa contingência, estamos sempre a discutir as nossas vidas e tão pouco o que se foge a elas, começando pelo post da Sete e Coisa (que tem uma foto incrível que roubei para aqui) que compreendo mas com cujo argumento central ("a ideia de que um fim de semana com o pai de 15 em 15 dias é maneira de criar pais, ou imagens de pais, demasiado idealizados") acho muito fechado.
Passa-se aqui a mesma coisa que se passa com o femininismo. Eu julgava, porque assim me ensinaram, que o femininismo era a defesa dos direitos das mulheres. Apercebi-me que não quando me separei da segunda vez e elegi como instrumentos base da minha navegação de homem só, não o cartão de cliente frequente do Bleza ou de outro dos bares da minha predilecção de noctívago de repente sem contas para prestar a ninguém, mas um fogão, com forno, um frigorífico e uma máquina de lavar roupa. Na altura aluguei casa com um amigo que acabara de se divorciar e que achou muita piada às minhas prioridades. No prédio defronte do meu, na Damasceno Monteiro, havia uma mulher que passava as tardes da eternidade a estender e recolher roupa. À noite o marido chegava, tirava uma cerveja do frigorifico, peidava-se e apalpava-lhe as mamas enquanto, se eu estava a estender a minha roupa, ela dava uns saltinhos de galinha envergonhada. No primeiro dia em que me viu a estender roupa foi chamar a mãe, ou a sogra, e puseram-se as duas a a tagarelar sobre este vizinho que se calhar até seria maricas tal o gosto que eu demonstrava a estender a roupa. Gostava de sentir a roupa molhada, fresca. O cheiro a lavanda. Passei a dar uma grande importância à escolha dos amaciadores, aos seus cheiros quando ía ao supermercado. Gostava de esticar a roupa, de passar a roupa na corda como eu dizia à minha mãe quando recusava a sua oferta de trazer a minha roupa para a Beatriz passar. Gostava de colocar as meias todas juntas para ser mais fácil recolhê-las, de ver como já era um gajo moderno e tinha boxers tão giros, ainda sou do tempo em que, por serem mais baratas, as crianças das familias remediadas usavam cuecas de gola alta. Ou de ficar simplesmente a apanhar a brisa na cara enquanto olhava para o rio, para o castelo e pensava quantos milhares de anos tinha tido de viver para saber o prazer que existe em um gajo estender a sua própria roupa. E eu sou daqueles que, em 1968, tiveram o privilégio de ter laivos de modernidade e emancipação: a minha mãe era professora e tinha quatro homens lá em casa, e deve ter pensado que não se safaria se não nos pusesse com dono logo à nascença, é à nascença que se faz um cabresto, um cabrão, um filho da puta que anda a lixar o mundo com os seus ares de malsonso. A minha mãe sabia, intuitivamente mas sabia, que o mundo era uma intensa fábrica de produção ideológica, trabalhando em laboração contínua, vinte e quatro sobre vinte e quatro horas, sem descanso, sem despedimentos, acordos sindicais, semanas disto ou daquilo, desde que o mundo é mundo para nós humanos, há milhares de anos, que o mundo é uma fábrica frenética, despejando cá para fora um caudal incessante de porras, de deveres ser, de regras, de comportamentos, de poder, de ideologia e poder, de submissão, de exploração do humano pelo humano. Vivíamos na terra de Baltazar e Blimunda, ouvia-se as vésperas pelos carrilhões, eu lembro-me ainda do cheiro a estrume no ar, do arrepio do vento sobre os campos de trigo, ela pegou na Teresa, foi a nossa última criada interna, e colocou-a a fazer um workshop de trabalhos domésticos, a mim, ao João e ao Pedro, o meu pai livrou-se destas modernices. Depois passou-a a mulher a dias, três tardes para semana, para supervisionar os cachopos, que passaram a ser dos únicos que, a par dos TPCs, tinham o rol dos trabalhos domésticos. Não sei o que aconteceu entretanto, mas vivi com mais duas mulheres, e só no fim da última relação é que aprendi a fazer uma máquina de lavar roupa ou a acender o fogão do forno. E descobri que gostava e descobri que estas tarefas me abriam a porta e a janela para um mundo que eu não sabia que existia. Agora é a minha mãe que me telefona a perguntar se eu quero que ela me traga comida e eu que lhe respondo, desarmando-a, olha, queres que te leve um pedaço da sopa que fiz ontem? Ela não sabe, mas eu sei, o femininismo é a luta por uma nova sociedade onde os homens e as mulheres se redefinem uns diante dos outros, nos seus clichés, nos seus estereótipos, nos seus arquétipos.
É por isso que eu não concordo com a focalização que a Sete e Coisa faz do papel ídilico que os pais de quinze em quinze dias constroiem. Em primeiro lugar a família, é um intenso complexo ideológico onde tudo é idealização. O papel da mãe, o papel do pai, o papel dos avós, o papel dos irmãos. Dos tios, dos padrinhos, das amas. Tudo, mas tudo sofre esse profundo trabalho de centrifugação ideológica. É tão verdade que os pais tentam criar magia com os seus quatro dias como o de que as mães tentam criar uma imagem de força, de coragem, de hipervalentia que caracteriza uma certa posição sobre a relação entre masculinidade/feminialidade. São umas super-heroínas, e são-no de facto, mas é a inscrição nesse arquétipo de heroicidade que lhes dá força, tal como a mim o que me dá a inscrição num arquétipo de gajo sensível, de um dos pais mais queridos que a Sete e Coisa conhece .
Os nossos avós homens também eram super-heróis à sua maneira. Levantavam-se com as galinhas e saiam para um mundo de dureza, selvático, para sustentar a família, os filhos que íam para a escola e as mulheres que trabalhavam na lida da casa. E que teríam assim, aparentemente, uma vida mais protegida das arbitrariedades da luta diária pela sobrevivência. Sabemos hoje, e sabêmo-lo porque o queremos saber assim, porque o fomos aprendendo em conjunto, homens e mulheres, arrancando e queimando soutiens aos pares, que essa imagem de resistência e heroicidade dos nossos avós era uma inscrição na arquitectura mítica da sociedade onde viveram e que a hipervalorização de um papel em relação ao outro é um discurso e uma tomada de posição ideológica e de poder.
Não há neutralidade a norte do equador.
E agora sim, já posso contar parte da minha história, da minha verdadeira história de pai de quinze em quinze dias. Não creio que isso tenha muita importância, só o terá para se compreender que não partilho de nenhuma visão radical sobre os malefícios ou benefícios de um regime ou outro. Depois de me separar, e tinhamos definido para ambos que adoptaríamos a guarda conjunta - em abono da verdade sem sabermos bem o que era - continuei a fazer exactamente as mesmas rotinas que fazia com ele. Ía buscá-lo à escola, tomava conta dele, dava-lhe banho, o jantar, a mãe chegava, eu ía. Durante seis meses, até à mudança de colégio, que aproveitámos para ser o momento da mudança, tivémos um sistema único independentemente daquilo que é a tipificação da regulação do poder paternal. E fizémo-lo ao abrigo do que hoje se costuma dizer, os superiores interesses da criança. Para nós era importante que ele se habituasse à ideia de que a separação dos pais, a saída do pai da casa familiar, não significava uma separação dele e fizémos coincidir a mudança com a entrada num novo colégio, mais longe, com novos horários, com novas rotinas. Ele aceitou tão naturalmente que o pai já não o iria buscar era uma nova condição que marcava a sua nova situação, como o ter de usar farda, o ter uma nova turma e novos amigos. Por razões que têm a ver com aquilo que a mãe pensava, e pensa, ser o melhor interesse do filho, e sobre a minha capacidade do garantir, quando esse período acabou e lhe disse que gostaria de ter o meu filho semana sim, semana não, ela disse-me que não, e que só mudaria de ideias em tribunal. Coisa que só faria se estivesse em causa de forma inequívoca o bem estar do meu filho. Ora por muito que alguns dos meus amigos - entre as quais a Sete e Coisa - pensem que a guarda conjunta é o mais importante, para mim o fundamental é o pai e a mãe manterem uma reserva de entendimento e de conciliação que lhe permita irem cuidando em comum da educação do seu filho. É claro que não desisti de poder ter o meu filho semana sim, semana não. E luto contra isso, de forma silenciosa. Quer percebendo que posso tentar aproveitar ao máximo as possibilidades que a mãe sempre me deu de ir ter com ele em qualquer altura. Aceito que tive um filho com uma mulher que ainda não acredita que eu serei capaz de garantir a felicidade quotidiana do meu filho com a mesma bonomia, e a mesma inevitabilidade, com que reconheço que o nariz, e o sorriso, que ele herdou dela é mil vezes mais bonito que o meu. E percebi que mais importante do que uma concepção de guarda conjunta que passasse pelo mesmo número de dias para mim e para ela, o mais importante era mantermos a possibilidade de continuarmos a discutir conjuntamente a educação dele, era o de tentar avançar pelos muitos espaços de convivência com ele que ela sempre me permitiu, rompendo com o meu próprio acomodamento. Aliás, ainda me lembro de que o argumento que utilizei para defender a ideia de ele devia ficar mais tempo comigo era de que para ele seria melhor que a mãe tivesse mais tempo para ser mulher, para viver a sua vida autonomamente, para poder namorar, passear, viver. É bom para a criança que os pais possam ter tempo para si mesmos para além do tempo que têm para serem educadores, reguladores e, tantas vezes, desatrados polícias em rápida crise de autoridade e tenho a certeza de que mais tarde ou mais cedo o meu filho irá passar mais tempo comigo. Sem necessidade de recurso a tribunais, a guerras psicológicas ou outros instrumentos de guerrilha que fazem muitas vezes parte do dia a dia da vida dos casais e dos quais temos grande dificuldade em fazer o desmame. Disse aliás no princípio desta pequena instrusão à minha estória de que só a contava para que se percebesse que não partilho de nenhuma visão radical sobre as vantagens ou desvantagens de um determinado sistema de regulação paternal.
E se defendo a possibilidade da guarda e a partilha conjunta dos tempos de convívio com os filhos ser uma primeira opção, é porque penso que é um claro sinal de natureza ideológica sobre a sociedade onde queremos viver: uma sociedade onde as mães possam ser mulheres, possam viver a sua vida enquanto mulheres, onde os homens possam ter como parte fundamental da sua construção identitária o cuidar e o crescer com os filhos. Quando falamos que os pais de quinze em quinze dias tem a cereja e nunca ficam com o caroço, estamos a partilhar uma determinada ideologia sobre o que é crescer com os nossos filhos em que a cereja é a brincadeira, a irresponsabilidade, o desregramento, e o caroço são os deveres diários, os encargos e as responsabilidades quotidianas e muitas vezes não nos apercebemos de quanto essa visão está carregada de ideologia negativa sobre a vida de todos os dias. E que estamos apenas a promover a continuação ideológica desse discurso negativista e das consequências que ele tem sobre a vida dos pais e dos filhos do cada vez maior número de famílias desagregadas. Porque nunca deixamos de ser uma família.
Não aceito que possa ter mais tempo para viver a minha vida para ter o meu filho quando é exactamente o contrário que se passa: tenho menos tempo para viver a minha vida de pai que é uma parte fundamental da minha identidade. Tenho menos tempo para ser eu, portanto. Tenho mais tempo para ser um outro que não quero ser. Sim, posso ir mais ao cinema. Ou ao teatro. Ou sair. É verdade. Mas não posso deitar-me todos os dias na cama do meu filho enquanto ele adormece. Ou ler-lhe uma história. Ou não me sentir tenso porque tenho amanhã, e amanhã, e amanhã, para travar com ele aquela guerra de personalidade sobre o facto de ele não comer a sopa ou não querer experimentar vegetais ou pensar que o pai é uma máquina de comprar coisas, um saco do lixo para guardar as coisas que ele já não quer.
Ora um discurso negativo sobre os pais de quinze em quinze dias, tem também de ser um discurso negativo sobre estas super-mulheres que tudo podem, e que sobrecarregam os dias de todos com o peso da sua responsabilidade, da sua severidade, da dureza dos seus dias.
E tem, mais do que isso, de ser um integrar desses dois discursos numa discursividade carregada de uma ideologia que não consegue fazer da paternidade e da maternidade uma aventura em comum entre dois seres, independentemente dos vinculos afectivos que (ainda) os unem.

13 comentários:

Anónimo disse...

Pois. É que há pais e pais e há mães e mães e cada vez menos se pode meter tudo no mesmo saco. Obrigada, enquanto tia de uma criança com pai quando e como a mãe deixa, e irmã de um pai que é constantemente roubado, por não deixares de erguer a tua voz. É preciso, é mesmo preciso que se saiba que pais como tu de facto existem.

gata disse...

voltamos, então, ao assunto. então e se em vez de falarmos de homens e de mulheres pusermos a questão assim: aquele que fica com a criança todos os dias e aquele que só fica com a criança de quinze em quinze dias. é que eu falei dos pais porque, sinceramente, só conheço casos em que as mães ficaram com os filhos e em que os pais sairam de casa. mas se fosse ao contrário a questão seria a mesma. aquele que fica com os miúdos todos os dias claro que tem direito a todas as pequenas coisas boas do quotidiano (e isso é óptimo, isso é a essência da vida) mas também tem uma canseira danada, um trabalho desmedido, sem direito a pausas nem a concessões (se ser pai com outro é difícil, ser pai sozinho é muito mais intenso, alguém tem dúvidas de que é esgotante?); e o outro, o que só tem os filhos de vez em quando, claro que não consegue criar tanta cumplicidade com os filhos mas tem uma vida muito mais "leve" (basta dizer que tem uma parte-de-vida-sem-filhos, o que já não é pouco). é o que é, e há pouca coisa que se possa fazer contra isto. como eu disse: eu percebo que tenha de ser assim mas não me venham dizer que é justo ou que têm os dois as mesmas preocupações ou o mesmo trabalho.
agora, quanto aos pais e às mães. é óptimo saber que há pais como tu, quim, e eu conheço mais um ou dois assim, mas sinceramente parece-me que são uma minoria. a maioria dos pais fica satisfeita com este regime de part-time. eu sei que quando se faz assim uma generalização corre-se o risco de ser injusto mas a verdade é esta. à maioria dos pais dá-lhes jeito que seja assim. o que temos que fazer é lutar contra isto, o que passa também por, enquanto ainda somos casal, tentar que pais e mães dividam as tarefas e as preocupações com os filhos. era bom que houvesse mais pais a fazer a sopa, isso te digo eu.
(acho que isto já vai longo demais, sorry)

Who?... Me?... disse...

Tenho vindo "espreitar" este blog há uns dias.
Gostei muito deste post, da tua forma de pensar e viver esta parte da tua vida.
Boa sorte!

cláudia santos silva disse...

sabes, jpn, acho que percebeste o fundamental que é assegurar vias de diálogo e vivenciar ao máximo a tua experiência paternal. no fundo, qualquer modelo poderá servir, se existir essa plataforma de diálogo flexível em que o interesse da criança está acima de tudo. o problema é que as crianças servem, normalmente, para o exercício de poder, para o exercício de propriedade, como se a responsabilidade pudesse ser dividida, ao invés de partilhada, por períodos de tempo definidos...
infelizmente, não conheço muitos casos de pais que queiram os filhos semana sim, semana não. conheço muitos mais casos de pais que não cumprem com as suas responsabilidades financeiras, que não telefonam aos filhos, que não vão às reuniões escolares, que não têm um quarto para eles na sua nova casa e os põem a dormir e a passar férias em casa da mãe ou da irmã... lamento dizê-lo e espero que, com tempo, estas situações, deixem de o padrão geral que vou reconhecendo nos já demasiados casos que conheço. claro que as mulheres também são responsáveis pelo 'estado das coisas', ao exigir ou aceitar que tudo se passe assim. cada caso será um caso e a vida de uma criança de meses não é a de uma criança de cinco anos, ou a de um adolescente. a flexibilidade, o diálogo, a capacidade de promover a mudança ao longo do tempo são, quanto a mim, os garantes de um desenvolvimento afectivo tranquilo, por parte da criança.
ainda bem que escreves, é bom saber que há pais assim.

JPN disse...

não vai nada longo, João, é um prazer ter-te aqui.
o que eu queria ter conseguido defender é a ideia de que acaba por ser um pouco inglório o pensarmos que há uns pais que se habituam à ideia e tiram grande partido da vida de pais solteiros e outros que não. porque, isso não só faz com que partilhemos e reproduzamos uma determinada ideologia que maximiza a cultura de uma identidade assente no individualismo e na desresponsabilização social (para as mães formigas os pais são mais felizes porque podem passar a vida a foliar e cantar), como que, para este dispositivo ideológico funcione, dentro dela encontremos os nossos heróis e vilões.

é claro que do ponto de vista de quem está com uma criança 24 dias por mês, uma pessoa que só está 6 dias tem muito mais liberdade de acção. mas liberdade de acção para ser o quê?

é isso que devemos reflectir em conjunto. trincamos o caroço e já não saboreamos a cereja, tu a mandar e eu a obedecer, os dois no mesmo triste jogo...

eu não sou nada um pai especial. sou um pai de quinze em quinze dias igual a todos os outros. moldei as minhas rotinas ao facto de só o ter 4 dias por mês. tenho uma vida mais livre, no entender de algumas mulheres, tenho uma vida mais vazia, no meu entender e de outros pais. tenho tendência para me acomodar, por vezes forço a minha tendência e tento usar os espaços possíveis para romper com esse conformismo. se me olharem nos dias conformistas serei um pai de quinze em quinze dias perfeitamente banal. e tão banal que muitas vezes já tenho de me trabalhar interiormente para receber com paz de espirito o meu filho e não pensar nas coisas que deixei de fazer, ou no stress que vou passar para lhe garantir todas as etapas do dia.

CCF disse...

Compreendo o pacto que fizeste contigo próprio a bem da criança, mas não que possa ser uma coisa com a qual te conformas, só aqui é que discordo. De quando em quando porque não interrogar a mãe face a esse acordo, até porque as mães quando os filhotes são muito pequenos têm mais reservas em entregá-los aos pais, mas agora que ele já vai à escola...Ele também saberá de gostar que continuas a querer mais tempo com ele. A partir dos seis, uma semana mãe e outra pai parece-me bom para o equlíbrio da criança. No entanto, é como dizes, cada história é única e é preciso avaliá-la com muito cuidado. JPN, esse tempo é mesmo pouquinho...digo-te com carinho e amizade.
~CC~

sete e pico disse...

Querido Quim, é verdade que o meu post começou por considerar que os pais de 15 em 15 dias são, ou podem ser, pais idealizados que se constrastam demasiado com as mães da vida real. as mães formigas vs pais cigarras, como tu ilustraste.

Mas o argumento central do post não era esse, era o facto dos homens e principalmente aqueles que como tu, têm noção da discriminação de género a que são sujeitos por serem homens, não se organizarem e não reivindicarem os seus direitos. Como disseste neste post e como também já conversámos vários vezes, tu faze-lo à tua forma, no teu silêncio, na tua espera, na tua persistência. Fáze-lo (não sei se existe esta palavra) de uma forma individual, sem confronto, pelo interesse superior do teu filho. Aceito. Mas não concordo. Se todas as lutas fossem feitas no silêncio, na espera, na acomodação à ideia de que algum dia o outro vai mudar, no sustentar da ideia de que é melhor estar sossegado para não prejudicar as crianças, para não chatear ninguém, nunca nada mudaria. As mulheres viveram muitas anos, séculos, a fazer lutas internas, no silêncio das casas, dos corpos, das relações. E só saindo para a rua e organizando-se é que as coisas puderam começar a ser diferentes. E mesmo assim, como vês e como sabes, ainda há muita coisa por mudar, ainda há muitos homens e muitas mulheres que não acreditam que os homens não só têm direito aos filhos como são capazes de cuidar deles tão bem como qualquer mulher.

Acho que os homens precisam de juntarem, de defender os seus direitos, para que as coisas possam mudar, para que cada vez mais construams colectivamente a ideia de que não é a biologia que nos faz ser capazes de cuidar, é o amor que construimos e aprendemos na vida quotidiana, e isso sabes tu bem porque és um pai amoroso e cuidador.

JPN disse...

Querida Sete e Picos (soa estranho assim, eheheheh!),
quando tu falas em silêncio depois de eu ter escrito um lençol destes eu fico a pensar que tu não não estás desperta para a circunstância de que estes meus textos sejam a forma de me associar, e não só a homens, a homens e mulheres, que são a forma que neste momento encontro de lutar. Mas são. Quando escrevo posts deste tipo levo muito a sério a capacidade política que resulta de um, entre os demais, se esventrar nas suas intimidades para constituir um corpus político.
Quando escrevo que sou igual a todos os outros pais de quinze em quinze dias, queres maior declaração política de associação? Assumi estes textos a sério não porque me sentisse pessoalmente atingido por nenhum post. Tratam-se de pessoas que conheço e que poderia facilmente escrever um mail a dizer, olha, amiga, acho que as coisas podem ser vistas de outro modo. Fiz disso política, creio, pelo menos é a melhor forma que agora conheço de fazer política, escrevendo. Colocando a minha capacidade de me expôr disponível para os outros. Homens e mulheres, insisto. creio que a redução a uma questão de género não se pôe aqui. A questão de género é um mero pretexto ( ou se quiseres, uma moldura) para consolidar um discurso de natureza repressiva sobre a vida, sobre a vida enquanto dádiva, enquanto partilha, enquanto prazer, aventura, a vida em estado (a)venturoso.
E isso para mim é que é o mais importante e isso é uma luta para os homens e para as mulheres.
Beijo

Anónimo disse...

sou um gajo simples, de ideias simples, por isso mesmo me assalta a pergunta, também ela simples:

o que é que te impede de ires ao tribunal pedir a semana sim, semana não?

Luís disse...

Joaquim, hoje ainda te comento. Para já um abraço.

JPN disse...

aprésmidifaune(eheheheheheh), não sou um gajo tão simples ,para mim os tribunais servem para outras coisas, não como locais para irmos pedir aquilo que podemos construir com a outra pessoa. abraço
:)

sete e pico disse...

Amigo, tens toda a razão quando dizes que o que tu escreves aqui é um acto político e até de "associativismo", gera pensamento, gera reflexão e quem sabe se gerará mudança.Gosto muito dos posts em que com essa forma de escrever que tens pões as entranhas a nú e partilhas os teus pensamentos dúvidas e opiniões com os teus leitores e leitores. Isto é uma forma de fazer política, mas é uma forma de fazer política individual, no silêncio da escrita. É válida e como já te disse aceito-a (mais faltava)e sei que tu sabes o que é melhor para a tua vida. Só acho, e era aí que queria chamar a atenção, que não só nos actos individuais se mudam as coisas, são muito importantes os actos individuais, a política da vida quotidiana, mas a minha questão, a minha dúvida, é porque é que ainda há tão poucos movimentos de homens que reflexionem sobre os seus direitos e sobre a forma como foram socialmente construidos a partir dos seus caracteres biológicos. Como é óbvio, esta não é uma pergunta para ti, tu não tens que responder por todos os homens. foi a partir do exemplo que surgiu a reflexão mas é uma questão muito mais geral.

E neste caso específico a moldura sim é o género, a construção social que nos lixou a vida a partir das diferenças dos nossos corpos. Quando um dia superarmos esta questão e podermos ser iguais nas nossas diferenças, será mais fácil falar dos valores humanos que mais alto se levantam.

Um grande abraço

JPN disse...

"a construção social que nos lixou a vida a partir das diferenças dos nossos corpos"

boa. :)