Ainda não é dia. Já não é noite. Sabemos que vem aí um novo levantar. Um novo fincar os pés no chão. Um novo não perceber, ir percebendo, até que, exaustos, ao cair da noite, os corpos rebentam do excesso de compreensão, de amor, de sexo. Serão sempre assim as nossas vidas. Por isso aquela ronha matinal. O falar dos sonhos.
- Tive dois sonhos estranhíssimos.
É sempre assim. Para uma coisa a sério, uma brincadeira. Não consigo evitar.
- Estranhíssimos.
Ela levanta a protecção dos olhos. Sinto-o. Olha para mim e vê que estou de olhos fechados. Fecha também os dela. Sinto-o. Conto-lhe o primeiro sonho. Adiante. É uma intimidade de casal. É uma peta para que o dia acorde a sorrir.
- E o outro sonho?
- Sonhei que ía num carro com o Luís a conduzir, eu ía ao lado, atrás ía a Cláudia, a Anabela e o Telmo. A certa altura a Cláudia, que estava no banco atrás de mim, dá-me a mão, faz-me uma festa na cabeça, eu agarro a mão dela, começo a chorar, depois o Luís desata a chorar também, um choro forte, nunca tinha visto um homem a chorar assim, a Anabela também, a certa altura a Elena passa num carocha ao nosso lado, está com um penteado parisiense, meio basco mas enfim, parisiense, olha-nos, percebe porque é que estamos a chorar, sorri, acelera, e de repente o nosso choro transforma-se em riso, um riso franco, o riso do Luís continua a ser o mais forte, o mais bonito, e depois olho para ele, olho para trás, e já só estava o Telmo e a Anabela, a Cláudia tinha desaparecido.
- É curioso....
- O quê?
- Eu também sonhei contigo e que a certa altura tu estavas a chorar abraçado a uma pessoa. E que depois saía de ti uma grande calma, uma espécie de luz.
Abro os olhos. A luz que entra no quarto dá-lhe uma paz imensa. Não sei que horas são, estou-me ralando.
- Quando dormimos com uma pessoa às vezes entramos dentro dos seus sonhos.- disse-me.
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